A igualdade ainda é um mito

31-05-2022 09:22

 

            O artigo de opinião do analista político Pedro Norton publicado na revista “Visão” de 19 de Maio de 2022, nas notas marginais, surge um dado  que me chamou à atenção: “só um em cada dez alunos que nascem em famílias pobres e com poucas qualificações chega ao Ensino Superior, em Portugal. A escola enquanto instrumento de nivelamento social, é o nosso maior falhanço coletivo”.

            Ao reler esta nota pensei no meu caso pessoal, apesar de ser originária de uma família carenciada concretizei o meu sonho de entrar para a Faculdade e com uma média bastante aceitável.

            Mas confesso que foi uma luta de titãs porque cresci com muito pouco. Em casa, nem tinha um espaço próprio para estudar nem sequer uma secretária. Contudo, tinha esse sonho e a primeira coisa que fazia depois das aulas era espalhar os livros sobre a cama dos meus pais e fazer os T.P.C´s. Nessa altura, a pressão das novas tecnologias ainda não se fazia sentir como acontece hoje em dia. Não tinha computador, nem era preciso. A loucura da internet só surgiu muito mais tarde. Na minha época, para se estudar com afinco, só era preciso força de vontade,  alguma inteligência, papel e caneta. Por isso concretizei o meu sonho. Mas, tenho consciência que se tivesse nascido nesta nova geração e continuasse a viver nas mesmas condições seria um sonho quase impossível de concretizar tendo em conta a exigência das novas tecnologias.

            Também é importante esclarecer que depois do curso nunca exerci profissionalmente a minha formação de base e fui sendo empurrada a fazer outras coisas diferentes, mas,  ter tido acesso a uma Educação diferente daquele do que seria esperada abriu a minha mente para novas perspetivas e a essência da minha formação de base deixou uma marca indelével na minha personalidade que me ajuda a enfrentar as adversidades da vida.

            Segundo uma notícia de 30 de Abril do “Diário de Notícias”,  em  2025 as provas e o exames serão todos online. A mesma notícia avança que algumas escolas estão a ser selecionadas para participar num projeto-piloto. Esta experiência (dos exames online) terá  a participação de alguns alunos que agora realizam as provas de aferição.

            O “Diário de Notícias” também informa que as provas e os exames nacionais dos alunos do básico e secundário serão feitos diretamente nos computadores em 2025, segundo um plano do Instituto de Avaliação Educativa (IAVE) já no próximo ano, as provas de aferição serão realizadas em formato digital para alunos do 2º e 8º anos de escolaridade. Ficando apenas de fora deste enquadramento digital as provas de Expressão Artística e de Educação Física.

            Na notícia salienta-se ainda que no ano letivo de 2023/2024 será a vez dos alunos do 9º ano realizarem também as provas finais em formato digital. A ambição do IAVE é que já no ano 2025 os alunos troquem a caneta por um teclado para fazerem exames nacionais.

            Esta ideia de desmaterialização da Avaliação Externa (exames nacionais) é bastante dispendiosa e a sua concretização só será possível através do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência que gere os fundos europeus que Portugal recebeu para fazer face à crise económica gerada pela Covid-19). Estando inscrita uma verba de 12 milhões de Euros para fazer cumprir esse plano de desmaterialização.

Esta informação vem fazer acionar as campainhas de alarme que é o mundo tecnológico é quem mais ordena e que os digitalmente excluídos terão muita dificuldade em terminar o ensino secundário. Não só porque tem acesso reduzido às tecnologias mais avançadas. Mas também, porque apesar da maioria dos estudantes, clicarem com os dedos ininterruptamente nos seus “smartphones” fazendo deslizar as páginas, julgo que muitos ainda não reúnem os “skills” para escreverem com rapidez nos formulários digitais dos exames nacionais que estão a ser planeados. E a pressão do tempo é implacável.

A realidade dos excluídos da Era Digital  veio ser posta a descoberto com a pandemia COVID-19. Quando os alunos foram fechados em casa e tiveram que receber aulas à distância. As famílias mais pobres tiveram dificuldade em acompanharem esse novo formato de ensino. A comunicação Social perfilou nos seus blocos informativos muitos exemplos, onde o computador que parece um bem indispensável a todos os cidadãos ainda não tinha chegado a todas as famílias.

Pode-se ler a revista Sábado de 18 de Março de 2020 que um em cada cinco estudantes não têm computador em casa, segundo, um estudo de Arlindo Ferreira, especialista em Estatísticas da Educação. O “expert” declara que “E por isso dificilmente se conseguirá pedir a todos os alunos trabalho que implique a necessidade de um computador.”

A revista “Sábado” ouviu também dois presidentes das associações de diretores escolares Filinto Lima (ANDAEP) e Manuel Pereira (ANDE) que alertam para o impacto das desigualdades sociais nas aulas à distância.

Segundo dados do Instituto Nacional de Estatísticas de 2019, 80,9% dos agregados familiares tinham acesso à Internet em casa. Nas famílias com filhos até 15 anos a percentagem subia para 94,5%. Claro que isto são dados oficiais, mas,  a realidade é bem mais negra do que os dados estatísticos querem pintar. As famílias invisíveis sem registo que vivem à margem não estão incluídas nos dados oficiais. A Comunicação Social destacou alguns meses o caso das meninas gémeas que até aos 10 anos nunca frequentaram a escola primária, não sabendo ler e escrever. Apesar, de em Portugal o Ensino ser obrigatório até 12º ano. E provavelmente, esse não será um caso isolado.

Podemos deduzir que a dificuldade de acesso à educação de qualidade é cada vez mais difícil para as franjas da sociedade onde vivem as famílias mais vulneráveis que correm o risco de não conseguirem acompanhar o ritmo das novas exigências das escolas do futuro. E o acesso à Educação que é um direito inalienável de todos os seres humanos ainda está longe de ser democrático.  

                                                                                                                                                               Ana Margarida Alves