Animais: não serão eles um tanto quanto racionais e também irracionais… como nós humanos!...

24-01-2023 18:30

 

 

      “Não há   diferenças fundamentais entre o homem e os animais nas suas faculdades mentais, os animais como os homens demonstram sentir prazer, dor, felicidade e sofrimento”

 Charles Darwin

 

Os animais, ao longo dos tempos, mesmo já desde a Antiguidade sempre despertaram interesse e curiosidade ao Homem sobre o papel que representavam na vida dos seres humanos. No dicionário “on-line” Priberam encontramos a seguinte definição de animal: nome masculino, ser vivo multicelular, com capacidade de locomoção e resposta a estímulos que se nutrem de outros seres vivos (biologia); ser irracional por oposição ao homem. A definição de animal pode estender-se à definição de animal de companhia, pertencente a um ou mais seres humanos, vivendo dentro de sua casa, ou dependência mantendo com eles uma relação de interação, dependência ou afeição.

      Já no século VI a.c. Pitágoras, filósofo e matemático grego já falava no respeito animal pois acreditava na transmigração de almas, ou seja, acreditava-se que as almas poderiam voltar à terra e animar dos  corpos dos homens ou dos animais.

 Também podemos destacar o pensamento do filósofo Ramon Bógea, no século XV que afirmava que os animais deviam ter direitos como os humanos.[1]

      Apesar de já desde os primórdios das civilizações humanas se demonstrar uma especial preocupação com esses seres vivos, a sua consideração como seres dotados de direitos não foi unânime.

            Podemos destacar pela negativa o pensamento de Descartes, no século XVII, que expressa a convicção que os animais não tinham alma, logo, não pensavam e nem sentiam. Assim os maus tratos infligidos nos animais não deviam ser considerados como algo de errado.

            Porém, esse pensamento retrógrado,  foi logo contestado pelos seus pares, nomeadamente, Rousseau e Voltaire. Este último responde mesmo por escrito a Descartes no seu “Dicionário Filosófico”:  “Que ingenuidade, que pobreza de espírito dizer que os animais são máquinas privadas de conhecimento e sentimentos e procedem sempre na mesma maneira que nada aprendem que nada aperfeiçoam. (…)Responde-me maquinista teria a natureza entroçado nesse animal os órgãos dos sentimento sem objetivo algum? Terá nervos para ser insensível? Não inquines à natureza impertinente consideração.”.

            Com a evolução dos tempos os direitos dos animais passam a estar na ordem do dia.  Foi mesmo proclamada pela Unesco a 27 de janeiro de 1978 a Declaração Universal  dos Direitos dos Animais,  documento muito similar aqueles que existem para os Direitos dos Homem e da Criança. Dessa “Declaração” podemos destacar o artigo terceiro que exprime “Nenhum animal pode ser submetido a maus tratos nem a atos cruéis” e também o artigo primeiro “todos os animais nascem iguais perante a vida e têm os mesmos direitos de existência.”.

            Claro que tantos documentos e tratados filosóficos a favor dos Direitos dos Animais advieram da essencial força motriz que mobilizou o mundo inteiro de todos os quadrantes em prol da causa: o amor incondicional pelos animais. Estes seres vivos, principalmente, os “animais de Companhia”, sensibilizaram o Homem para a sua sensibilidade, intuição,  carinho, dedicação…

            O seres humanos renderam-se aos encantos de um ser tão fiel, espontâneo e verdadeiro, sem máscaras e artificialismos que acompanha o seus donos em todos os momentos e que em muitas ocasiões e em muitos casos apenas uma linha ténue separa o ser humano do animal. Dizem que é a irracionalidade que os distingue dos seres humanos. Mas, cada vez mais se compreende que até a barreira da irracionalidade é muitas vezes ultrapassada os animais dão muitas vezes sinais de argúcia, e inteligência equiparável ao ser humano.

            Diz-se também que só lhes falta mesmo é “falar”. Será que até mesmo isso lhes falta? Ou será que  não falam já na sua própria linguagem, entre o miar, o uivar e o ladrar. Se o Homem faz tantos esforços para aprender outras línguas, talvez, ainda não se tenha esforçado o suficiente para aprender a singela e, aparentemente, rudimentar linguagem dos animais. Talvez chegássemos à conclusão que afinal recorrendo a sons ou  a gestos os animais  falam tanto…

            Tal é paixão que os animais despertam no ser Humano que inspiram escritores e cineastas  a contarem histórias enternecedoras que ficam para sempre na memória coletiva. Quem não se lembra da “Dama e o Vagabundo” da escritora Cherly Holt, ou de cão “Merley” do livro e também filme “Merley e eu” ou dos filmes da amorosa “Lassie” ou do impetuoso São Bernardo “Bethoven”…

      Desse amor incondicional e indiscutível que os seres humanos nutrem pelos seus animais fez aparecer, por todo mundo, movimentos em prol da causa animal que levou a surgir um pouco por toda a parte Leis que interpelam em sua defesa.

            Portugal já em pleno século XXI deu um passo de “Guliver” e legislou em dois sentidos essenciais na defesa da causa animal:  criminalizou os maus tratos à animais e deixou de os considerar “objetos”.

            Em 2014 surgiu  a Lei 68/2014 de 29/08 que criminalizou os maus tratos à animais e abandono de “animais de companhia”. E já completou oito anos de anos de existência. Essa lei veio alterar o artigo 387º  do Código Penal que tipifica como crime de maus tratos a animais de companhia (como por exemplo cães e gatos) a conduta de quem sem motivo legítimo infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus tratos físicos animais será punido com pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias. Em caso, da morte do animal, “privação importante de órgão ou membro ou afetação grave e permanente da sua capacidade de locomoção a pena pode estender-se até dois anos de prisão ou multa até 240 dias.

            Além da criminalização, a legislação portuguesa imbuída na onda de evitar os maus tratos a animais, assim, como travar a sua coisificação foi mais longe. O Parlamento aprovou a 22 de Dezembro de 2016 por unanimidade que os animais deixariam de ser considerados coisas no Código Civil e passariam a ser considerados “seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica.”

            Assim os animais, não podem ter personalidade jurídica, mas, podem agora ter uma figura jurídica específica, deixam de ser coisas à luz do direito civil. Esta nova legislação surgiu baseada num texto da Comissão de Assuntos Constitucionais do Parlamento.

            A 1/05/2017 esta legislação foi aprimorada o que faz com que o proprietário de animal deva ser responsável por assegurar o bem-estar e respeitar as características de cada espécie e observar no exercício dos seus direitos as disposições especiais relativas à criação, reprodução, detenção e proteção de animais e à salvaguarda das espécies em risco sempre que elegíveis.

            Nesta nova legislação a obrigação do “dono” baseia-se muito em questões de saúde e bem-estar animal. Se o proprietário de um animal não o levar ao veterinário pode ser punido pela lei. Isso implica, por exemplo, garantir que o animal tem acesso à água e alimentação de acordo com as necessidades da espécie e também em questões de garantia de acesso aos cuidados médico-veterinários em termos de :

  • Profilaxia
  • Identificação,
  • Vacinação

            Também ficou previsto que caso os proprietários se divorciem tem que se realizar um acordo em Tribunal da partilha das responsabilidades dos proprietários do animal em questão.

            Tudo parecia que andava de vento em popa para “os animais de companhia” que tinham conseguido o abrigo da Lei para as suas condições de seres frágeis e vulneráveis, sujeitos à sorte dos donos que lhes calhem em rifa que os podem “amimalhar” até à exaustão, conquistando até um lugar no leito dos seus donos. Ou, por outro lado, são ameaçados, fustigados,  esventrados, os seus filhos atirados para o rio ou para o caixote do lixo, sem que estes possam fazer o que quer que seja, provocando-lhes uma angústia sem limite. Chegou, assim, ao conhecimento da Comunicação Social que o Tribunal Constitucional prepara-se para tornar inconstitucional esta Lei inovadora no que toca à criminalização dos maus tratos à animais. Parece que a inconstitucionalidade tem que ver com três decisões dos Tribunais em que a lei foi considerada inconstitucional.

        Em causa estão casos como um processo do homem que esfaqueou um cão na cabeça quando ao passar junto à propriedade onde o animal se encontrava resolveu voltar atrás e atacar o animal, o caso do detentor de uma animal que atacou uma corda ao pescoço do animal e  a outra ponta ao automóvel e arrastou a cadela na via pública; também o caso do animal que sofreu prolapso intestinal grave pelo seu detentor não lhe prestar cuidados devidos; ou ainda podemos referir-nos ao caso  do cão de seis meses preso a uma corrente de 63 centímetros, tendo-lhe na zona do pescoço causado lesões graves.  Nesse último caso, o Juíz mandou arquivar o processo e devolveu a corrente à detentora[2].

             Os constitucionalistas consideram que a criminalização dos maus tratos à animais é um imperativo ético. A busílis da dificuldade prende-se com a alteração do artigo 387º do Código Penal que diz o seguinte: “Quem, sem motivo legítimo, matar animal de companhia é punido com pena de prisão de 6 meses a 2 anos ou com pena de multa de 60 a 240 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.” Ao que parece existe a dificuldade de aplicar a lei aos casos concretos.

            Se a lei chegar ao extremo de ser abolida volta-se ao quadro anterior a 2014 “matar um animal não constitui crime e é punida com coima que pode chegar 3740 euros.” Quem pediu para rever a Lei que criminaliza os maus tratos à animais foi o Ministério Público que pediu junto do Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade da norma que criminaliza com multa ou prisão quem maltrate os animais que está a dar tanto celeuma.

            As vozes revoltosas contra a possibilidade deste retrocesso legislativo já se fizeram ouvir. Milhares de apoiantes da causa animal manifestaram-se em Lisboa desde o Marquês de Pombal até ao Tribunal Constitucional, no Palácio Ratton, no dia 21 de janeiro de 2023.

            Ninguém consegue compreender tamanho retrocesso. Se já está mais que provado que os animais sentem como nós, têm necessidade de bem-estar e conforto como  nós, já fazem parte integrante da maioria das famílias portuguesas em que algumas não os consideram um membro indiferenciado do agregado mas sim quase lhe dão o Apelido da sua Família, como se um filho especial se tratasse.

            Assim como podemos ficar indiferentes  ver ser infligidos maus tratos aos animais que lhe podem causar até a morte e ver a possibilidade da lei ser aligeirada  porque é considerado demasiado dura a pena a aplicar a um ser humano – considerado face a Lei ser superior face ao animal - que maltratou um animal. Como se no toca à questão da proteção dos animais vencesse sempre o elo mais forte…

            O famoso Acordão do Tribunal da Relação do Porto de 19 de Fevereiro de 2015 1813/12.6TBPNF.P1 transmite-nos que “constitui um dado civizacional adquirido das sociedades europeias modernas o respeito pelo direito dos animais de companhia, a aceitação que os animais são seres vivos carecidos de atenção, cuidados e proteção do homem e não coisas que o homem possa dispor a seu bel prazer, pelo que a relação do homem com os seus animais de companhia  possuírem já hoje em dia um relevo face à Ordem jurídica que não pode ser desprezado.”[3] . E depois de citar o Acórdão destes doutos Juízes do Tribunal da Relação que mais se poderá dizer além, de que inverter a lei que criminaliza os maus tratos a animais de companhia seria uma autêntica aberração da natureza.

        Ninguém pode ficar indiferente a tamanho sacrilégio de não se penalizar a violência gratuita aos animais com requintes de malvadez oriunda da intrínseca maldade que alguns seres humanos tão (des)humanos possuem revelando uma completa insensibilidade perante a vida dos nossos mais fiéis amigos, segundo dita a sabedoria popular.

 

Ana Margarida Alves

 

 

 

Bibliografia de Apoio:

 



[1] Fonte: Wikipédia – entrada: Direitos dos animais.

[2]  Fonte: Petição Pública contra a revisão da lei que criminaliza maus tratos à animais (vide bibliografia)

 

[3] Fonte: Petição Pública contra a revisão da lei que criminaliza maus tratos à animais (vide bibliografia)