As florestas portuguesas vivem um autêntico inferno de “Dante”…
Os incêndios florestais são um clássico de verão. Não há verão de nenhum que não seja invadido pelos caraterísticos incêndios da época quente.
Segundo os dados estatísticos provisórios do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas os incêndios florestais consumiram este ano em Portugal mais do dobro de hectares que em 2021. Em Julho foi feito um rescaldo de incêndios pelo ICNF deste verão e segundo uma notícia divulgada pela TSF (versão online) em 20 de Julho de 2022 já tinham contabilizado até há data 6566 incêndios rurais e arderam 57 940 hectares, 49% em povoamentos florestais, 38% em matas e 13% em áreas agrícolas.
E o verão ainda vai longe de chegar ao fim só nesta semana de Agosto de 11 a 19 de Agosto de 2022 deflagraram 866 novos incêndios.
Os incêndios despoletam a cada momento como cogumelos. É algo impossível de controlar a 100%. Através de vários meios da Comunicação Social surgem imagens de destruição, pinhais completamente invadidos pelas chamas. As aldeias ameaçadas, as populações em alvoroço. É a loucura nos quartéis de bombeiros que lançam para o terreno quase todos os s eus operacionais que se vêm gregos para aclamar as chamas. Portugal sabe que não irá controlar os incêndios tão depressa o Ministério da Administração Interna. Portugal já pediu apoio ao Mecanismo de Proteção Civil da União Europeia. A Grécia disponibilizou dois aviões pesados anfíbios (Canadair) que já chegaram a Portugal.
Quando tentamos compreender o que leva a que Portugal seja fustigado, todos os anos, por um nível tão elevado de incêndios encontramos alguns dados que podem ser relevantes. No site, Fogos.pt acedido no dia 20/08/2022, as autoridades apresentam diversas causas, nomeadamente, uso negligente de fogo (fogueiras, queimadas), e em muitos casos apesar da investigação minuciosa dos responsáveis a culpa morre soleira porque nunca se consegue chegar ao cerne da questão. Mão criminosa ou o acaso eis a pergunta para um milhão que fica sem resposta. As causas são consideradas indeterminadas.
Claro que estes últimos anos, apesar da natureza ter sido completamente dizimada e centenas de hectares de “espaços verdes” terem desaparecido da paisagem nacional. Sabemos que a sua recuperação total vai levar décadas. Mas, contudo, sabemos que é possível uma reflorestação do espaço. Novos pinheiros irão ser plantados e a terra queimada e ressequida irá sendo salpicada com pequenos pontinhos verdes mais resistentes que ressurgem na terra queimada.
A reflorestação já não se faz à maneira antiga, em que se plantava uma árvore rasteira e só passados alguns anos é que a pequena árvore se começava a elevar e a ganhar forma merecedora do nome “árvore”. Compreendi melhor essa realidade quando no largo da Igreja da minha povoação as árvores que salpicavam a paisagem foram arrancadas devido a uma “doença incurável”, o tronco estava oco por dentro, restando apenas um lugar vazio rodeado de pedras da calçada em redemoinho (causado pelo arranque das árvores, subentenda-se). Ao passar, diariamente, pelo aquele local e ao sensibilizar-me para aquele novo cenário completamente despido de um toque de natureza pensei, “muitos anos serão preciso para replantar novas árvores e o seu crescimento será lento e demorado”. Qual não é o meu espanto quando passadas algumas semanas chegaram as novas árvores, não minúsculas e insignificantes mas já com um tamanho considerável e quando chegou a Primavera a ramagem já começava a compor a nova árvore.
Claro que tenho consciência que pode parecer leviano pensar desta forma. Os incêndios são um crime ambiental horrendo e devastador com consequências gravíssimas para todo o ecossistema, não só dizimam totalmente o que surge à superfície mas também todos os microrganismos que se escondiam no subsolo. Claro, que há vegetação nunca irá renascer, todavia, de modo geral a natureza reaparece e transforma-se e quando ressurge vem ainda mais forte e vigorosa. Conclui-se assim com este pequeno exemplo que o Renascimento da natureza no século XXI não é uma impossibilidade muito menos um mito.
Nesta perspetiva, os incêndios de 2017 que ceifaram a vida a centenas de pessoas foram uma tragédia muito maior com um carácter irreversível. A vida humana tem um valor incalculável muito acima de qualquer bem material que se possa perder durante os incêndios. Somente numa noite em Pedrógão Grande [1]perderam-se 47 vidas só na estrada nacional 230-1 e mais umas tantas nas aldeias em redor que também não escaparam à fúria das chamas (segundos os dados oficiais, 66 no total). Foi um cenário dantesco que não sai da memória do povo português e que ecoou através da Comunicação Social pelo mundo inteiro.
O desastre é o maior incêndio florestal de sempre em território português, o mais mortífero da história do país e o 11º a nível mundial desde 1900.
Famílias inteiras foram consumidas pelas chamas. Tiveram um morte atroz e o seu sofrimento foi imensurável. Sofrimento esse que se estendeu aqueles que por pura sorte sobreviveram à tragédia que assolou naquela região. Pais perderam os filhos. Filhos perderam os pais. Avós perderam os netos, numa noite de completo horror. Famílias ficaram incompletas, os clássicos sonhos de uma vida ficaram por concretizar. A dor insanável invadiu de rompante e sem avisar os que ficaram para contar a história destas vidas transformadas em autênticos farrapos e essa “dor moída” ficará a mitigar a memória dos sobreviventes, para sempre.
O valor da vida humana suplanta qualquer valor. É um valor inalienável e insubstituível por qualquer quantia monetária que o estado social dá às pessoas como prémio de consolação. Não há quantia monetária que acalme a dor da perda duma vida humana. A mágoa, as memórias incompletas, os destinos destruídos…
Nesta tragédia, houve também perdas materiais muito significativas, centenas de pessoas ficaram sem casas. Porém, com muitas falcatruas à mistura, segundo fez transpirar a Comunicação Social para o exterior, com o apoio de Portugal, já surgiram como cogumelos as novas casinhas para as pessoas continuarem a fazer as suas vidinhas como, evidentemente, merecem.
Para os prejuízos materiais há sempre uma solução, nem que seja tardia. Para a perda da vida humana, não há elixir mágico que faça regressar à casa de partida aqueles que partiram de uma forma cruel e inexplicável. Se os seres humanos tivessem sete vidas como dizem que os gatos têm…Mas, helás,[2]eu só lhes conheço uma, apesar de haver muita literatura que aluda às teorias sobre a imortalidade e a reencarnação. No meu exemplo pessoal, todos os seres que partiram do meu mundo nunca mais regressaram e contra factos não há argumentos.
A religião mune-se de argumentos para acalmar a dor, argumentam que as pessoas vêm à terra com uma missão, e quando completam a sua missão terão de partir para outra dimensão e encontra-se algures no céu a olhar por todos nós.
De uma forma mais laica e em sentido popular, transformam-se em estrelinhas que brilham no céu, para todos nós, dando-nos um sinal que vale a pena continuar a viver. E que temos que continuar o nosso caminho com os ensinamentos que eles nos deixaram.
Para mim não passam de “palavrinhas bonitas” que mascaram a dor da perda insanável que marca o ser humano para sempre.
Ana Margarida Alves
Apoio Bibliográfico:
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Inc%C3%AAndio_florestal_de_Pedr%C3%B3g%C3%A3o_Grande_em_2017
- https://www.tsf.pt/portugal/sociedade/arderam-quase-58-mil-hectares-em-portugal-este-ano-mais-do-dobro-do-que-em-2021-15033712.html
[1]Incêndio florestal de Pedrógão Grande em 2017 (fonte Wikipédia)
[2] Palavra francesa que significa infelizmente