Aung San Suu Kyi condenada a 33 anos de prisão, provavelmente uma prisão eterna…

28-01-2023 10:52

 

 

 

 

 

 

 

            Um Tribunal da Junta militar de Myanmar condenou a ex-líder do país, Aung Suu Kyi a mais sete anos de prisão.

            Em Dezembro de 2022 a situação difícil da ex-líder da Birmânia foi agravada um pouco , considerada culpada de cinco crimes de corrupção.

            Aos 77 anos de idade viu a sua pena agravar-se para os  33 anos de prisão.

            A sentença representa o mais recente e último episódio de uma maratona de julgamentos que a Nobel da Paz se viu enredada na sequência do golpe de Estado realizado em Fevereiro de 2021.

            Aung San Suu Kyi está presa na capital da antiga Birmânia condenada por vários crimes que vão da fraude eleitoral à má conduta sanitária durante  a pandemia do “Covid-19.”.

            O conselho de Segurança da ONU apelou à libertação imediata da dirigente após quase dois anos de silêncio sobre o caso alimentado pelo veto da China e da Rússia.

               Aung San Suu Kyi vive  um percurso tumultuoso na história do país. Torna-se opositora do regime acabando por viver  em prisão domiciliária durante cerca de 20 anos. Em 2015 torna-se a líder política do país, após o seu partido vencer a eleição 2015.

            Por outro lado, passa de muito amada a odiada na cena Internacional, associada à repressão dos Rohyingas  que lhe valeu um levantar de vozes para o Prémio Nobel da Paz lhe ser retirado.

 

A Problemática do genocídio dos Rohyingas

           

Em Agosto de 2017 o exército de Mianmar lançou uma incursão em Raquire, o estado do norte do país que abriga mais um milhão de muçulmanos de etnia “Rohyingas” e deixou cerca de 25 mil mortes e mais 700 000 refugiados, conforme relato do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, o exército teria incendiado vilarejos, matado civis, espalhando minas terrestres.

O povo “Rohyingas” é uma minoria étnica muçulmana em que a sua maioria vive no estado “Raquine”, um dos estados mais pobres do Myanmar.

Desde a independência do Myanmar em 1948 os “Rohyingas” têm sido vítimas de tortura, negligência e repressão e são alvo de violência étnica. O governo de Myanmar não lhes permite os acesso à cidadania e são considerados apátridas sendo proibido a eles de casar, viajar sem a permissão de autoridades além de os proibir de terem propriedades.

Aung San Suu Kyi pecou  por ter tomada uma posição tardia ao terrível genocídio perpetrado pelo exército Birmanês à minoria, negando denúncias de limpeza  étnica. A então líder sofreu pesadas críticas internacionais tendo sido acusada de cúmplice  do genocídio de milhares de “Rohingas”, tendo-lhe sido retiradas algumas condecorações e prémios entre os quais os da Amnistia Internacional.

Em Dezembro de 2019, Aung San Suu Kyi declarou que iria pessoalmente ao Tribunal Penal Internacional em Haia representar Myanmar após a Gâmbia iniciar um processo contra o país por violação da Convenção da ONU para a Prevenção e punição do Genocídio.

 

Aung San Suu Kyi: algumas notas biográficas[1]

            Apesar de anos de repressão Aung Suu Kyi não deixou extinguir-se a chama da liberdade na Birmânia, rebaptizada Myanmar pela ditadura.

            Aung Suu Kyi uma mulher fisicamente débil tornou-se o último bastião das esperanças do povo Birmanês. Foi ela que escolheu o fardo. Teve em tempos uma vida confortável na Europa, mas, com uma conjugação de acontecimentos e pessoas trouxeram-na de volta a um caminho muito difícil e complexo.

            O pai de Suu Kyi, o General Aung San foi o fundador do país. Nascido na aristocracia rural, tornar-se-ia líder estudantil e nacionalista convicto. Sonhava expulsar os Britânicos da sua terra colonizada no século XIX, e para tal, viria a comandar o exército de Independência da Birmânia, treinado secretamente pelos Japoneses.

            Entraria do lado da Birmânia em princípios de 1942 para vir a mudar de lado em 1945, ajudando os Britânicos a expulsar os japoneses. Devido a esse serviço ao povo Birmanês foi ceifado cedo: um rival político mandou abatê-lo em 1947, apenas seis meses antes da Birmânia declarar independência. Tinha 32 anos. Suu Kyi tinha dois anos.

            Enquanto crescia, os gestos bruscos, a fala direta e o brilho no olhar fizeram dela “uma réplica feminina” do pai. Em meados dos anos 60 frequentou o curso de Filosofia, Política e Economia no St. Hugh´s College de Oxford.

            Na Birmânia, um golpe militar acabara de dar inicio a uma era de repressão.

            Suu Kyi mudou-se para Nova Iorque em 1969 para trabalhar nas Nações Unidas. Três anos depois, casou com Michael Aris, um acadêmico tibetano que conhecera nos tempos de Oxford. Tiveram dois filhos, viriam a instalar-se, novamente, em Oxford onde Michael era professor associado do St. John´s College.

            À medida que os filhos cresciam ia dedicando mais e mais tempo à sua paixão pessoal, literatura asiática, mas, a profunda curiosidade sobre as suas origens, tornou-se um esforço concertado de investigar o passado do pai e a sua história do país.

            Em 31 de Março de 1988, a sua mãe sofreu um AVC e Suu Kyi então com 43 anos regressou a Rangun.

            Durante a Primavera,  anterior, os estudantes tinham começado a manifestar-se nas ruas. Num incidente, morreram 41 estudantes sufocados dentro de uma carrinha policial. No dia 23 de Julho,  a família estupefacta ouviu o líder  do regime, General Ne Win, dizer na televisão que abdicava do poder e que seria realizado um referendo sobre o futuro do país.

            Suu Kyi viu nessa iniciativa a oportunidade de o povo tomar as mãos no seu destino.

            No dia 8 de Agosto, foi convocada  uma greve nacional pós-democracia centenas de milhares de birmaneses desceram às ruas, deliciados com  a perspetiva do fim do regime do partido único.

            Por volta da meia-noite, o presidente Sein Win deu ordem de fogo às tropas que mataram milhares de pessoas.

            Em “contra-resposta” Suu Kyi escreveu uma carta aberta ao Governo propondo a formação de uma comissão que conduzisse o país até às eleições multipartidárias. Depois escreveu o discurso que iria projeta-la para a arena política.

            “Este comício tem por fim informar o mundo da vontade do povo”, começou Suu Kyi. O nosso propósito é mostrar que o povo tem todo o mais acalentado desejo de um governo multipartidário”.

            Uma multidão apoiou Suu Kyi nesse ensejo de liberdade. Todavia, o exército atacou de novo, matando centenas. No dia 18 de setembro era declarado a lei marcial.

            Os ativistas pró-democracias formaram um, partido, a Liga Nacional para a Democracia e começaram  a fazer campanha em prol das prometidas eleições nacionais. Em Abril de 1989, Suu Kyi e um grupo de ativistas da LND lançaram-se numa longa digressão ao longo do rio “IrraWaddy”, parando em todas as povoações. Ao segundo dia os soldados barraram-lhes o caminho.

            “Continuem”, disse Suu Kyi. Os soldados seguram-na para a proteger. 

            “Não é preciso”.

            Os soldados ficaram nervosos. Calmamente, falou aos soldados: “deixem-nos passar, não temos outro caminho.” E os soldados afastaram-se. Este episódio transformou-se numa lenda em Myanmar.

Em Julho, Suu Kyi  foi posta em prisão domiciliária. Durou seis anos, durante os quais Michael só foi autorizado a visitá-la duas vezes. A princípio, a separação da família deprimiu-a deprimiu-a, confessando que  a dor e a saudade começaram a fazer parte integrante das suas vidas.

Manteve o regime estrito. Despertar às 4:30. Meditação, seguida de uma hora e meia de BBC, Voz da América e a Voz Democrática da Birmânia. Exercício. Punha também flores de jasmim no cabelo e lia muito. Rabindrath, Tagore, Nehru e Jane Austen. Adormecia às nove horas.

Nas eleições de 1990, a LND teve uma vitória esmagadora, mas o regime recusou reunir o Parlamento.

No ano seguinte, Suu Kyi era contemplada com o Prémio  Nobel da Paz. Foi libertada no dia 10 de Julho de 1995, decidida a recomeçar onde parara. Mas, raramernte, era autorizada a sair de Rangun.

Raramente aparecia em público.

Em 1999, foi diagnosticado a Michael um cancro na próstata em estado avançado. Suu Kyi sabia se abandonasse o seu país para acompanhar o marido nunca mais seria autorizada a regressar.

Foi uma Decisão difícil…mas optou por permanecer em Myanmar.

Suu Kyi foi posta novamente em prisão domiciliária em Setembro de 2000 para ser libertada nove meses depois

Tem sido assim a sua vida entre a cárcere e a restrita liberdade em Rangum.

Em 2010, Suu Kyi completou os seus 65 anos em prisão domiciliária. Barack Obama, o então presidente dos Estados Unidos apelou para a sua libertação, assim como os demais presos políticos.

A 13 de Novembro de 2010 foi finalmente libertada estando autorizada a circular livremente.

Nas eleições legislativas de novembro de 2015, a Liga Nacional para a Democracia conquistou 80% dos votos, elegendo 390 cadeiras. Apesar do resultado, 25% do total de parlamentares são deputados militares que não são eleitos, conforme determinação da Constituição, que também lhes garante automaticamente os Ministérios da Defesa e do Interior. [2]

Com essa configuração do Parlamento, há grande dificuldade na aplicação de alterações na Constituição, em razão da necessidade de aprovação de por 75% nas duas câmaras, quórum improvável de alcançar sem os votos dos militares.

Em abril de 2016, o Parlamento realizou a eleição do Presidente que substituiria o ex-general Thein SeinHtin Kyaw, aliado de Aung San Suu Kyi, foi eleito com o voto de 360 dos 652 deputados. Aung San Suu Kyi, no entanto, era a líder de facto do país, sendo responsável pelas pastas do Exterior, Educação, da Energia, além da Casa Civil, mas sem exercer controle sobre o comando militar.

            Em Abril de 2016, foi publicado a lei da criação do cargo de Conselheira de Estado, funções semelhantes às de um primeiro-ministro, permitindo-a de atuar em todas áreas de governo.

Em 28 de março de 2018, Win Myint foi eleito presidente de Myanmar pelo Parlamento, também um aliado da líder de fato Aung San Suu Kyi. Htin Kyaw renunciou ao cargo, por razões de saúde. O ex-presidente havia realizado diversas viagens ao exterior para tratamento médico.

Nas eleições de 2020, a Liga Nacional para a Democracia saiu novamente vitoriosa, vencendo 83% dos cargos em disputa em relação a 2015.

Em 1 de Fevereiro de 2021, o exército de Myanmar derrubou o governo eleito, prendeu os líderes políticos, bloqueou as estradas, fechou o acesso à internet e suspendeu os voos do país. Foram presos os membros do partido da conselheira Aung Suu Kyi, ela própria o presidente Win Myint e outros apoiantes.

Recentemente, depois de uma autêntica teia “kafkiana” de julgamentos e condenações Suu kyi viu ser agravada a sua pena para 33 anos de prisão, tendo em conta a idade a condenação à cárcere representa um autêntico eufemismo de “prisão quase perpétua”.

A esperança de liberdade para Suu Kyi será uma reviravolta política ou uma forte pressão Internacional para se libertar a Prémio Nobel da Paz de 1991.

           

 

Bibliografia de Apoio:



[1]  Fonte: Artigo de Ellen Nakashima, Seleções, Reader´s Digest, Maio de 2004, p. 38

 

[2] Wikipédia – entrada – Aung Suu Kyi