Brincariando com a saudade

05-05-2023 10:13

 

 

 

 

Saudade, saudade
I've tried to write a million other songs, but
Somehow I can't move on, oh, you're gone
Takes time, alright
And I know it's no one's fault, but
 Somehow I can't move on, oh, you're gone


Saudade, saudade
Nothing more that I can say
Says it in a better way
Saudade, saudade
Nothing more that I can say
Says it in a better way
 

(Maro, letra, música e interpretação)

 

            Hoje é dia de publicar crónica habitual, mas, a minha alma está ainda inundada de saudades do meu filho que vou vendo de quando em quando. E esses momentos são sempre tão importantes como se prolongassem durante séculos.

            Esteve comigo uma semana na Páscoa…e isso já não acontecia há tanto tempo…

            Agora que partiu todos os espaços da casa, ainda tem marcados as suas impressões por todo o lado. Passou a semana envolvido num projeto…que se dedicou com alma fazendo lembrar os velhos tempos da sua infância.. No pátio ainda restam restos de cartolina toda escortaçada e parece que  cheiro da cola ainda paira no ar.

            E a nuvem do seu quarto (temporário) virado do avesso já partiu e voltou a estar tudo tão monotonamente, rotineiramente…tão alinhadinho, sem a sua vida  e a sua alma que preenchia todos os espaços.

            Restam as fotografias que olho constantemente que me deixam cheia de saudades e que por vezes me fazem chorar baixinho e deixam uma dor sem fim cravada no mais fundo da alma.

            Hoje consigo compreender melhor o meu destino e tudo serve de terapia de saudade.

            Longe vão os tempos que a dor era tão atroz que a ausência do meu filho era uma folha negra sem nenhum registo, sem nada.

            Poucas provas físicas ficavam da sua passagem. Tudo se passava no mais fundo secretismo da mente e do interior de mim mesma. Sentada no sofá da pequena salinha, vendo o tempo passar, aparentemente apática sem a mínima emoção e sentimento

            Estava sempre presente na minha mente. Mas, era tão atroz  a trágica separação que eu não queria nem pensá-lo longe mim.

Não queria saber com quem passava o Natal. E o que fazia em tantos dias em que eu não estava ao seu lado.

Quem lhe desejava todos  os dias “boa noite” ou com quem ele falava horas a fio. 

Não sendo eu , era-me completamente indiferente. A saudade era tão gigantesca e avassaladora que eu preferia simplesmente fingir-me esquecida.

Não mencionava muitas vezes o seu nome

Não recordava as tuas brincadeiras de infância.

Não maldizia a minha triste sorte.

Nada.

Preferia nem sequer imaginar.

Afinal depois de ter partido, decerto foi ao pai  que coube  a tarefa de aconchegar à noite nas noites mais frias.

Foi ao pai que  coube  a tarefa de lhe explicar como funcionava o mundo, na minha ausência forçada.

Foi ao pai que, por certo, se dirigiu quando sentiu medo e desconcerto.

Foi ao pai que coube  a tarefa de o ir buscar à escola e ajudar nos TPC´s

Foi ao pai que coube  o papel que me fora destinado.

Sem razão.

Talvez por razões futebolísticas

E isso provoca-me uma dor imensa no fundo da alma.

E durante anos a fio nada fiz para vencer o ingrato destino…tal era o pavor que até as poucas migalhas de vida nos fossem aniquiladas…

Hoje em dia já completou 18 anos e sem saber bem porquê perdi o medo…dos orquestradores do meu destino (que não escolhi e nada fiz para o merecer).

Percebi que tenho de correr contra o tempo do labirinto do esquecimento e compreendi que em cada ano que passou existem vestígios da presença do meu filho. Não era tudo tão vazio e sem sentido como eu  tinha interiorizado. Era preciso reconstruir tudo do inicio como uma espécie de terapia de saudade e de amor.

Os momentos não foram todos tão perfeitos como descritos no cinema que tantas vezes nos faz sonhar.

Porém, existiram momentos que nos interligaram para sempre e que embora breves têm para mim uma importância louca.

Sei que agora que completou a maioridade nos veremos de uma forma  ainda mais breve e espaçada, mas, serão tão essenciais como de longos anos se tratassem. E eu já não pintarei de negro na minha mente, como no passado, esses momentos como se me soubessem sempre a muito pouco ou quase nada que mais valia serem esquecidos. iluminar-me-ei de esperança que muitos longos anos de vida, amor, e amizade ainda estão para ser vividos.

E um novo amanhã nas nossas vidas ainda está por chegar.

 

 

Ana Margarida Alves