Dia Mundial da Poesia: essa arte de deixar falar as emoçoes já tão ancestral...

20-03-2023 14:18

 

 

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...

O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...

Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)

                   

Este ano o dia Mundial da Poesia comemora-se um dia depois do início da primavera. Com a renovação da estação, e o renascer da natureza celebramos também a palavra dos poetas. E a história da Literatura está cheia deles desde Camões, Fernando Pessoa, António Nobre, Florbela Espanca, José Régio, Natália Correia, Eugénio Andrade, Cesário Verde, Miguel Torga, Sophia Mello Breyner Andersen e muitos outros.

 Assim no dia 21 de Março de 2023 assinala-se o Dia Mundial da Poesia.  A data foi criada nas 30ª Conferência Geral da Unesco a 16 de Novembro de 1999.

Num site de efermérides encontramos a seguinte alusão à definição desta data:

 “ O Dia Mundial da Poesia comemora a diversidade do diálogo, a livre criação de ideias através das palavras, da criatividade e da Inovação. A data visa a importância da reflexão sobre o poder da linguagem e do desenvolvimento de habilidades de cada pessoa. Isto porque a poesia contribui para a diversidade criativa inferindo a nova perceção e compreensão do mundo”.

               A poesia[1] ou texto lírico é umas das sete artes tradicionais pela qual a linguagem humana é utilizada com fins estéticos ou críticos. Também pode ser encarada como o modo de uma pessoa se expressar usando recursos estilísticos e estéticos.

               Segundo um artigo da Wikipédia sobre a poesia indica-nos que a poesia como forma de arte pode ser anterior à escrita. Muitas obras antigas, desde os Vedes Indianos (1700-1200) e as Gatas de Zorostro (1200-900 a.c.) parecem ter sido compostas em forma poética para ajudar a memorizar e a transmissão oral das sociedades pré-históricas e antigas. A poesia aparece entre os primeiros registos da maioria das culturas letradas, com fragmentos poéticos encontrados nos antigos monólitos, pedras rúnicas e estelas.

O poema épico, o mais antigo sobrevivente é a Epopeia  Gligamexe, originado no terceiro milénio a.c. na Suméria (na mesopotânia, atual Iraque) que foi escrito em escrita cuneiforme, em placas de argila, posteriormente foi usado o papiro.

               Existem outras poesias épicas:  A Íliada e a Odisseia (poesias épicas gregas); os livros iranianos Avestá, Gatas, e Iasna; o épico nacional romano Eneida de Vírgílio e os poemas épicos indianos Romaiana e Maabárata.

               Os estudiosos antigos preocupados em separar o trigo do joio e distinguir a boa da má poesia criaram a “Poética”, o estudo da estética da poesia.

               O contexto pode ser essencial para a poética e para o desenvolvimento do género e da forma poética.

Poesias que registam os eventos históricos em temas épicos como a antiga Gligamexe ou a Épica dos Reis de Ferdusi serão necessariamente longas narrativas. Enquanto, há também poesia usada para propósitos litúrgicos (hinos, salmos, suras…). Por outro lado, a elegia e a tragédia são destinadas a invocar respostas emocionais profundas. Outros contextos incluem cantos gregorianos, o discurso formal ou diplomático, retórico e invectivas políticas, cantigas e roda alegres, versos fantásticos e até mesmo textos médicos.

 

 

A tradição antiga da poesia portuguesa

            A poesia portuguesa tem raízes recuadas ainda antes da afirmação da nacionalidade e esteve na generalidade sempre presente durante toda a história literária e cultural de Portugal tendo representado diversos movimentos artísticos, filosóficos, mas, também revolucionários pelos quais o povo e as elites literatas atravessam.

 

  • Poesia   Árabica em Território Nacional

 

            Entre os árabes[2], enquanto estes povoaram o território que mais tarde viria a ser Portugal, encontramos uma série de poetas de grande relevo, o que era  frequente na civilização islâmica da altura muito dedicada à poesia. Almutâmide (Rei da Taifa de Sevilha), Ibne Bassame (em Santarém, na altura chamada xantarim), Abenamar e Ibne harbum (de Silves) são algumas referências. Ibn Darraj al-Qistalli, nascido em Cancela Velha no século X é considerado o maior poeta árabe do seu tempo.

 

 

  • Época Trovadoresca:  jograis e trovadores e as Cantigas de Amigo  e de Amor e de escárnio e maldizer

 

A obra “Aula Viva” de João Augusto da Fonseca Guerra e José Augusto da Silva Vieira  ( apoio escolar) dá-nos algumas pistas sobre a importância da poesia trovadoresca na lírica portuguesa.

Uma longa tradição oral de cantigas ao som dos quais se dançava transmitida por jograis, existiu antes da compilação das poesias nos Cancioneiros Medievais (Cancioneiro da Ajuda, Cancioneiro da Vaticana, Cancioneiro da Biblioteca Nacional) no final do reinado de Afonso III (1210-1279). Chamavam-se Cantigas de Amigo que se podem definir com os poemas postos na boca da donzela que exprime a sua vida amorosa nas mais variadas situações.

Não se trata de poesia lírica no sentido atual do termo mas de um género em que se misturam elementos líricos, dramáticos e narrativos. Cada canção narra uma história de Amor.

Nas  Cantigas de Amigo de forma mais simples, a mulher aparece explicita ou implicitamente integrada num ambiente rural: na fonte, romaria… Inspira-se em geral numa desenvoltura pueril. Apela-se aos sentimentos mais básicos e constantes da afetividade humana.

Noutras cantigas é mais denso o ambiente doméstico. A moça canta enquanto torce o linho, sucedem-se diálogos com a mãe que recebe o namorado e autoriza o namoro.

Neste tipo de cantigas  surgiu ainda um terceiro género. Aqui encontramos uma verdadeira dialética de sentimentos que vais desde a coqueteria ao ciúme.

Esta invenção literária baseada numa notável penetração e experiência psicológica é aqui um fator dominante.

O rei D. Dinis foi um grande trovador o poema que se segue é disso exemplo:

 

Ai flores, ai flores do verde pino,
se sabedes novas do meu amigo!
              Ai Deus, e u é?

Ai flores, ai flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado!
              Ai Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amigo,
aquel que mentiu do que pôs comigo!
              Ai Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amado,
aquel que mentiu do que mi 'á jurado!
              Ai Deus, e u é?

Vós me preguntades polo voss'amigo,
e eu bem vos digo que é san'e vivo:
              Ai Deus, e u é?

Vós me preguntades polo voss'amado,
e eu bem vos digo que é viv'e sano:
              Ai Deus, e u é?

E eu bem vos digo que é san'e vivo
E seera vosc'ant'o prazo saído:
              Ai Deus, e u é?

E eu bem vos digo que é viv'e sano
e seerá vosc'ant'o prazo passado:
              Ai Deus, e u é?

Outro tipo de poesia completamente nova prosperou desde o século XII, na Provença (Sul de França) e espalhou-se rapidamente pelas cortes de Itália e França e também na Península Ibérica através  dos contactos  de nobres  que viveram em França, de casamentos de Príncipes e até de Reis e Princesas.

               Cantigas de Amor neste sentido são composições em que o trovador confessa a sua angústia passional  perante uma dama inacessível. Idealizando-a e colocando-a num pedestal.

               Na Provença, a inteligência, a imaginação e o grande talento das pessoas suprime a falta de emoção e sinceridade.

               Na Península Ibérica , os trovadores mais sentimentais do que intelectuais deixam perpassar a sua vivida emoção que se traduz num mar desabafos doloridos.

               Vejamos  o exemplo da cantiga de Amor d o trovador castelhano Pero Garcia Burgalês:

Ai eu coitad! E por que vi
a dona que por meu mal vi!
Ca Deus lo sabe, poila vi,
nunca já mais prazer ar vi;
ca de quantas donas eu vi,
tam bõa dona nunca vi.

Tam comprida de todo bem,
per boa fé, esto sei bem,
se Nostro Senhor me dê bem
dela! Que eu quero gram bem,
per boa fé, nom por meu bem!
Ca pero que lh’eu quero bem,
non sabe ca lhe quero bem.

Ca lho nego pola veer,
pero nona posso veer!

Mais Deus, que mi a fezo veer,
rogu’eu que mi a faça veer;
e se mi a non fazer veer.
Sei bem que non posso veer
prazer nunca sem a veer.

Ca lhe quero melhor ca mim,
pero non o sabe per mim,
a que eu vi por mal de mi[m].

Nem outre já, mentr’ eu o sem
houver; mais s perder o sem,
dire[i]-o com mingua de sem;

Ca vedes que ouço dizer
que mingua de sem faz dizer
a home o que non quer dizer!

 

Os jograis compunham também versos satíricos quer sob a forma de ironia sarcástica (cantigas de escárnio) quer sob  a forma de insultos indiretos (cantigas de maldizer)

               A grande maioria destas cantigas versa os vícios e os escândalos dos jograis e das suas companheiras soldadeiras. A embriaguez alcoólica, os excessos, as rivalidades profissionais servem de tema  às numerosas cantigas.

 

Cantiga de “A mim dam preç', e nom é desguisado” de Afonso Anes do Cotom[3]

A mim dam preç', e nom é desguisado,
dos maltalhados, e nom erram i;
Joam Fernandes, o mour', outrossi,
nos maltalhados o vejo contado;
e pero maltalhados semos [n]ós,
s'homem visse Pero da Ponte em cós,
semelhar-lh'-ia moi peor talhado.

 

 

  • Poesia Palaciana do século XV

            Estabilizam o poder real, confirmada a expansão ultramarina, a poesia voltou  a ocupar um lugar relevante, animando as sessões da corte.

               Essa poesia ora fútil ora artística ora moralizadora encontramo-la no Cancioneiro Geral compilada por Garcia de Resende e imprensa em 1516.

               No final da Idade Média surgiu em Portugal uma nova maneira de poesia que consistia na análise  do amor através da focalização dos que já morreram. Os amorosos passam em revista os castigos terríveis que estão passando no Inferno por causa do amor a que na terra de entregaram.

               Foi Dante, 1265-1321 que esteve na origem desta poesia.

               De todos os textos destaca-se a elegia à Morte de D. Inês de Castro composta por Garcia de Resende. Em vez dos temas mitológicos já estafados, o autor escolhe um assunto nacional que depois irá ser contado por muitos outros poetas, salientando-se Camões n´Lusíadas.

               Conhecido como o príncipe entre todos os poetas portugueses ocupa um lugar privilegiado na lírica portuguesa. Para além dos Lusíadas Camões poetou sobre os mais diversos temas como o amor, a mulher, a saudade, a mudança e o desconcerto do mundo.

 

Amor é fogo que arde sem se ver

 

Amor é fogo que arde sem se ver;

É ferida que dói e não se sente;

É um contentamento descontente;

É dor que desatina sem doer;

 

É um não querer mais que bem querer;

É solitário andar por entre a gente;

É nunca contentar-se de contente;

É cuidar que se ganha em se perder;

 

É querer estar preso por vontade;

É servir a quem vence, o vencedor;

É ter com quem nos mata lealdade.

 

Mas como causar pode seu favor

Nos corações humanos amizade,

Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

 

                           Luís de Camões

 

 

 

 

 

               Do apogeu do barroco salientam-se as obras de Francisco Manuel Melo e Jerónimo Baía . Foi também um período de grande produção épica: o Sucesso  do Segundo cerco de DIU. (1584) de Jerónimo Corte – Real, A elegíada (1588), de Luís Pereira Brandão, Ulisseia ou Lisboa edificada (1636) de Gabriel Garcia Pereira Castro, Malaca conquistada (1634) de Francisco Sá de Meneses, Ulissipo (1640) de António Sousa Macedo, Afonso Africano (1611) de Vasco  Mouzinho Quebedo.

 

                   O Arcaismo como reação ao Barroco, seguindo  o lema inutilla truncat (cortar o inútil), o neoclassicismo inspirado nos modelos gregos e latinos e no próprio renascimento inicia-se com Pedro Garcia Garçao, na segunda metade do século XVII.

                   A Arcádia Lusitana vai ser o movimento poético mais importante desta época até à primeira metade do século XIX reunindo nomes  de Francisco Manuel do Nascimento, Manuel Maria Barbosa Du Bocage, Reis Quita, Marquesa de Alorna entre outros…

              

Rasga meus versos

 

Já Bocage não sou!... À cova escura

 

Já Bocage não sou!... À cova escura

Meu estro vai parar desfeito em vento...

Eu aos céus ultrajei! O meu tormento

Leve me torne sempre a terra dura.

 

Conheço agora já quão vã figura

Em prosa e verso fez meu louco intento.

Musa!... Tivera algum merecimento,

Se um raio da razão seguisse, pura!

 

Eu me arrependo; a língua quase fria

Brade em alto pregão à mocidade,

Que atrás do som fantástico corria:

 

Outro Aretino fui... A santidade

Manchei!... Oh! Se  me creste, gente ímpia,

Rasga meus versos, crê na eternidade!

 

                                   Bocage

 

               A poesia desta época  pretende seguir os preceitos da harmonia e simplicidade literária, tal como o recurso à mitologia clássica como a ornamentação poética, o bucolismo, um a versificação cuidada, o emprego dos versos brancos (decassílabo heróico e o seu quebrado, hexassílabo) de modo a imitar a poesia greco-latina que não usava rima e as formas poéticas antigas como a epopeia, a tragédia, a écloga, ode horaciana, a epístola…

 

  • O romantismo na lírica portuguesa

 

 Na wikipédia encontramos este excerto que melhor define o romantismo em Portugal “Pode-se dizer que o Romantismo[4] tem início em Portugal com a publicação do poema Camões (1825), da autoria de Almeida Garrett, que fora educado pelo seu tio, D. Alexandre, bispo de Angra, nos preceitos da literatura neoclássica e arcadista, o que se faz sentir nas suas primeiras obras, de sabor assumidamente neoclássico. O próprio autor confessa, no prefácio de Camões, que se recusou a seguir os princípios da poesia épica enunciados por Aristóteles e Horácio, rompendo com a corrente neoclássica. Almeida Garrett participara na revolução liberal de 1820, de seguida fora para o exílio na Inglaterra em 1823, após a Vila-francada, e depois em França. Foi no exílio que tomou contacto com o movimento romântico, descobrindo Victor Hugo, Lamartine, ShakespeareWalter ScottByron e outros autores e visitando castelos feudais e ruínas de igrejas e abadias góticas, vivências que se refletiriam na sua escrita. Apresentou, em 1838, Um Auto de Gil Vicente, na tentativa de lançar alicerces a um novo teatro nacional, isento de influência clássica e estrangeira. Mas a sua obra prima seria Frei Luís de Sousa (1843), denominado pelo próprio como "drama romântico" e aclamado como obra excepcional. Também se dedicou à recolha de poesia folclórica, que resultou na publicação do Romanceiro (1843), que reunia poemas de redondilhas tradicionais, conhecidos como "romances", tratando de temas de cavalaria, hagiografia, cruzadas, amor cortês, etc. A transição para o Romantismo também se pode notar no facto de ter escrito os romances Helena, O Arco de Sant'Ana e Viagens na Minha Terra.

Suspiro que nasce d'alma,
Que à flor dos lábios morreu...
Coração que o não entende
Não no quero para meu.

Falou-te a voz da minha alma,
A tua não na entendeu:
Coração não tens no peito,
Ou é diferente do meu.

Queres que em língua da terra
Se digam coisas do céu?
Coração que tal deseja,
Não no quero para meu.

Almeida Garrett

Outro vulto da poesia romântica  é  Alexandre Herculano que ao lado de Garrett, um dos chefes de fileira da primeira geração romântica portuguesa.  Toda a sua poesia e prosa são (ao contrário de Garrett) inteiramente românticas, rejeitando as referências à mitologia e história greco-romana, procurando inspiração na Bíblia e nos poemas e nas crónicas da Idade Média, o que se sobretudo no seu livro A Harpa do Crente (1838). A sua obra é vasta e cobre diversos géneros: poesia, romance, teatro, ensaio e investigação histórica, opúsculos, nos quais resgata todo um mundo de tradições, lenda e história medieval portuguesa, especialmente em Eurico, o Presbítero e nas Lendas e Narrativas. A sua obra acusa, sobretudo, a influência de Chateaubriand, Klopstock e Walter Scott

 

A Vitória e a Piedade

I

Eu nunca fiz soar meus pobres cantos

Nos paços dos senhores!

Eu jamais consagrei hino mentido

 Da terra dos opressores.

 Mal haja o trovador que vai sentar-se

 À porta do abastado,

 O qual com ouro paga a própria infâmia,

 Louvor que foi comprado.

 Desonra àquele, que ao poder e ao ouro

Prostitui o alaúde!

Deus à poesia deu por alvo a pátria,

Deu a glória e a virtude.

 Feliz ou infeliz, triste ou contente,

Livre o poeta seja,

E em hino isento a inspiração transforme

 Que na sua alma adeja

(excerto de poema de Alexandre Herculano)

 

 

  • A Poesia simbolista

O simbolista é antes de tudo antipositivista, antinaturalista e anticientifista. Isso significa que contrariando o carácter objetivo e realista destas tendências, a poesia simbolista prega e busca efetuar o retorno à atitude de espírito assumida pelos românticos e que se traduzia no seu egocentrismo: volta o eu a ser objeto de exclusiva atenção opondo-se ao culto do não eu que fizera apanágio das tendências anteriores.

Datada de 1890 com a publicação do livro de poemas (Oaristos) de Eugénio Castro  (1869-1944) o simbolismo constitui uma estética literária, autónoma por apresentar aspectos inovadores que a seguir vamos enunciar. Os autores da obra “aula viva” basearam-se no artigo “O simbolismo” no Dicionário da Literatura  e descrevem as caraterísticas principais do simbolismo como “revivescência do gosto romântico do vago, do nebuloso, impalpável, amor da paisagem esfumada e melancólica outoniça ou crepuscular, visão pessimista da existência, cuja enfermidade é dolorosamente sentida, temática do tédio, da desilusão, distanciamento real, egotismo aristocrático e subtil análise dos cambiantes sensoriais e afetivas.

Embora tenha sido Eugénio Castro considerado o introdutor oficial do simbolismo em Portugal, o grande expoente é Camilo Pessanha.

Segundo Manuel Moisés, os grandes poetas do simbolismo são Eugénio Castro, António Nobre e Camilo Pessanha. Este poeta diferindo, essencialmente, dos demais poetas do seu tempo, Camilo Pessanha enquadra-se  de modo nítido, na estética do simbolismo.

Nele o simbolismo se realiza em todas as suas características fundamentais, especialmente, com  a música, sugestão e símbolo.

E essa identificação resulta antes de mais duma vida exterior em permanente ebulição de maneira a dar a impressão de que nele a Poesia e a vida  são figuras congruentes de uma única coisa.

É que a  obra de Camilo Pessanha se autentifica em princípio pelo alto sentido abstracto, vago, difuso, próprio de quem por ser simbolista nato e por se considerar ultra-sensível se sente inadaptado à existência que só lhe causa desengano e dor.

 

 

Imagens que passais na retina

Imagens que passais pela retina 
Dos meus olhos, porque não vos fixais? 
Que passais como a água cristalina 
Por uma fonte para nunca mais!...

Ou para o lago escuro onde termina 
Vosso curso, silente de juncais, 
E o vago medo angustioso domina,
— Porque ides sem mim, não me levais?

Sem vós o que são os meus olhos abertos?
— O espelho inútil, meus olhos pagãos! 
Aridez de sucessivos desertos...

Fica, sequer, sombra das minhas mãos,

Flexão casual de meus dedos incertos,
— Estranha sombra em movimentos vãos.

                 

(Camilo Pessanha)

 

 

  • Poesia da época do Realismo


Segundo um site sobre a poesia realista[5] podemos afirmar que “paradoxalmente, a poesia da época do Realismo retoma a altura e o prestígio lírico de Bocage e Camões. Talvez porque o poema se tornasse o molde ideal para fundir as ideias candentes no espírito da geração realista e mais facilmente comunicasse o seu conteúdo explosivo, o certo é que os realistas portugueses não descuraram da poesia e conseguiram atingir níveis de primeira grandeza, acabando por fazer do Realismo uma época rica de actividade poética. Ao contrário do Romantismo, é uma quadra de muitos e grandes poetas. Em consonância com o espírito que guiou a geração realista, a poesia da época segue várias direcções: a poesia "realista", a poesia do quotidiano, a poesia metafísica…

A poesia "realista" deve ser entendida como aquela que serviu, de modo directo, aos desígnios reformistas da geração realista: sem se confundir com o Parnasianismo (como querem alguns), essa poesia é a que teve carácter revolucionário, serviu como arma de combate, de acção, em suma, poesia "a serviço" da causa realista, o que equivale a dizer poesia compromissada ou engagée. Estão nesse caso, ao menos em parte de sua trajectória: Guerra Junqueiro, Gomes Leal, Antero de Quental, Teófilo Braga e outros.”

 

Antero de Quental

            A obra de Antero de Quental apresenta três dimensões: a dimensão social, que analisa a sociedade e procura encontrar as causas da decadência e propõe soluções baseadas no socialismo útopico de Proudhon a dimensão filosófica sob influência predominante de Hegel.

A obra poética encontra-se reunida em várias partes: “Raios da extinta luz” contém poesia escrita em 1859 e 1863, única obra publicada após a sua morte. “Primavera Românticas”, poesia escrita entre 1861-1863,” “Odes Modernas” publicada em 1865.

               Os temas fundamentais da sua poesia são Deus, o Amor, a Justiça, a Fraternidade, a Morte, a Solidão e o Nada.

 

 

 

 

 

 

   HINO À RAZÃO
     
     Razão, irmã do Amor e da Justiça,
     Mais uma vez escuta a minha prece,
     É a voz dum coração que te apetece,
     Duma alma livre, só a ti submissa.
     
     Por ti é que a poeira movediça
     De astros e sóis e mundos permanece;
     E é por ti que a virtude prevalece,
     E a flor do heroísmo medra e viça.
     
     Por ti, na arena trágica, as nações 
     Buscam a liberdade, entre clarões; 
     E os que olham o futuro e cismam, mudos,
     
     Por ti, podem sofrer e não se abatem, 
     Mãe de filhos robustos, que combatem 
     Tendo o teu nome escrito em seus escudos!

                                     (soneto de Antero de Quental)

          

 

Guerra Junqueiro

 

               Começa por poetizar aos 14 anos. A primeira fase poética agrupa obras como a  Morte de D. João (1874), A velhice do Padre Eterno (1885), Finis Patriae (1890 e Pátria (1896). Oscila  entre o sentimento exageradamente romântico e o pensamento revolucionário. São poemas de combate quer à corrupção moral da sociedade, quer à religião cristã, quer à Monarquia dos Braganças numa linguagem inflamada e exagerada. Há , todavia,  passagens de um lirismo pessoal. 

               Na segunda fase poético rejeita os pressupostos estético-científicos, abraça um forte idealismo na salvação do homem, realizada pela fé, esperança e caridade. É a fase do lirismo excepcional documentado em Os simples (1892), A musa de férias (1880), Oração do Pão (1903), Oração à luz (1904) e Poesias Dispersas (1920).

               Descobre-se uma espécie de amor cósmico e tudo quanto existe inclina para o sol, para as águas, para o pão, para as árvores, para os homens e entre estes  para os velhos, os pobres, as crianças, os sonhadores, os humildes, os camponeses e os puros.

               Embora haja muita desconexão e muito exagero na sua poesia não há dúvida de Guerra Junqueiro ultrapassou o seu tempo[6]

 

 

Aos Simples

 

Ó Almas que viveis puras, imaculadas,

Na torre de luar das graça e da ilusão,

Vós que inda conservais, intactas perfumadas

As rosas para nós há tanto desfolhadas

Na aridez sepulcral do nosso coração;

Almas, filhas da luz das manhãs harmoniosas,

Da luz que acorda o berço e que entreabre as rosas,

Da luz, olhar de deus, da luz, bênção do amor,”

 

(excerto do poema de  Guerra Junqueiro)

 

 

Cesário Verde

 

Cesário verde nasceu em Lisboa em 1855[7]. Aos dezoito anos publica os primeiros versos e matricula-se no seguimento dos estudos do Curso Superior de Letras. Aí se relaciona com a mocidade letrada de então e, principalmente, com Silva Pinto, amigo para a vida e para a morte. A partir dai vão saindo as suas publicações. Não são bem recebidas pelos seus contemporâneos. Ramalho Ortigão, Téofilo Braga e Fialho de Almeida Chegam a  crítica-lo. O poeta que se insere dentro da poesia realista, mais precisamente, na poesia do quotidiano. Identificando a visão do poeta, fiel por outro lado, à estética do positivo e do sincero. Cesário Verde conferiu aos s eu estilo as características do naturalismo, o seu vocabulário está  cheio de termos concretos, alguns deles técnicos ou de linguagem familiar, com sufixos expressivos: valadores, marretas, suspensórios, batatas, salmejo, abóbora carneira, pós de  solimão…

Cesário Verde é considerado um poeta da cidade. Genuíno, original, profundamente, renovador, quer ao descrever os quadros e os tipos citadinos, quer ao denunciar, em sóbrias palavras as atitudes subjetivas provocadas pela vida exterior.

               O poeta tem o culto da discrição, da contenção. A sensibilidade e a fantasia são nele dominados pela estética anti-romântica, pela reserva irónica, pela sábia composição (dum fragmentarismo só aparentemente espontâneo), pelo gosto de polir a frio os seus versos.

 

Num Bairro Moderno

Dez horas da manhã; os transparentes
Matizam uma casa apalaçada;
Pelos jardins estacam-se as nascentes,
E fere a vista, com brancuras quentes,
A larga rua macadamizada.

Rez-de-chaussée repousam sossegados,
Abriram-se, nalguns, as persianas,
E dum ou doutro, em quartos estucados,
Ou entre a rama dos papéis pintados,
Reluzem, num almoço, as porcelanas.

Como é saudável ter o seu aconchego,
E a sua vida fácil! Eu descia,
Sem muita pressa, para o meu emprego,
Aonde eu agora quase sempre chego
Com as tonturas duma apoplexia.

E rota, pequenina, azafamada,
Notei de costas uma rapariga,
Que no xadrez marmóreo duma escada,
Como um retalho de horta aglomerada,
Pousara, ajoelhando, a sua giga.

 

(excerto de poesia de Cesário Verde)

 

 

 

 

  • O Modernismo

 

Entende-se aqui por Modernismo um movimento estético em que a literatura surge associada às artes plásticas e por elas é influenciada. Desencadeada pela geração de Fernando Pessoa (n. 1888), Sá carneiro (n.1890) e Almada Negreiros (n.1893) sob o impulso da arte e da Literatura mais avançada e inovadora da Europa.

Foi em 1913, em Lisboa que se constituiu o núcleo do grupo modernista. Pessoa e Sá-Carneiro tinham colaborado coma a revista Águia, órgão do saudosismo mas iam agora realizar-se em oposição a este, desejosos de romper com as amarras do passado e imprimir um ambiente literário em tom Europeu e requintado que faltava à poesia saudosista.

O nível literário de Fernando Pessoa foi dos três o que mais se destacou.

Fernando Pessoa nasce em Lisboa em 1888. Escreve desde os treze anos poemas em inglês, mas, é como ensaísta que se torna célebre em 1912 ao publicar na Revista “Águia” uma série de artigos sobre a nova poesia portuguesa. Ligando-se ao poeta Mário Sá-Carneiro e outros lança a revista Orpheu em 1915 com a finalidade de acordar o país do sono cultural em que estava mergulhado.

Nascidos em 1914 dentro dele os principais heterónimos, Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro Campos entrega-se a uma intensa criatividade destas personalidades que lhe são complementares entre si. Alberto Caeiro considerado o mestre de todos os seus heterónimos, positivista e bucólico; Ricardo Reis, epicurista e pagão, já Fernando Pessoa, o ortónimo viveu preso no seu próprio labirinto interior muito ligado ao tédio e à melancolia tendo existido também Álvaro Campos, o futurista e Bernardo Soares que escreveu o livro do “Desassossego. A obra “Mensagem” é considerada a sua obra-prima.

Colabora com várias revistas e, em 1934, publica a Mensagem, colectânea de poesias que celebra os heróis e profetiza a renovada grandeza da pátria.

 

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Fernando Pessoa, Mensagem

 

 

Após a Geração do Orpheu surgiu a chamada Geração Presença que alguns designam de segundo Modernismo. A revista Presença, nasceu em 1924 sob a direção de Branquinho da Fonseca, João Gaspar Simões e José Régio.

               As bases programáticas da Presença foram definidas por José Régio num famoso ensaio intitulado “Literatura Viva” em que se apela à originalidade do artista para a sua independência em relação >à política e as realidades sociais. O artista deve ser original, sincero, deve ser um homem superior pela sensibilidade, pela inteligência e pela imaginação.

               A esta geração pertenceram grandes vultos da literatura portuguesa como Miguel Torga, Carlos Queirós, Adolfo Casais monteiro, Vitorino Nemésio, Irene Lisboa.

               Após o fim da Revista em 1940 surge um novo movimento, o neo-realismo, que procurou trazer para a literatura o empenhamento social. É de Coimbra  que vêm as principais produções políticas através do novo Cancioneiro onde colaboram Fernando Namora, Mário Dionísio, Carlos Oliveira, entre outros.

               Uma outra tendência opõe-se quer à  Presença quer ao neo-realismo: Cadernos de Poesia, pequena revista. É de 1940 o primeiro número organizado por Tomás Kim, José Blanc de Portugal e Ruy Cinatti.

               Destinam-se estes Cadernos a arquivar a atividade de poesia atual sem dependências de escolas ou grupos literários, estéticos  ou doutrinas, fórmulas ou programas.

               Entre os poetas revelados neste Cadernos convém destacar Jorge de Sena, Sophia Mello Breyner e Eugénio de Andrade.

               Todos convergem na importância atribuída  à contenção da emoção, à recusa do pragmatismo do neo-realista e ao intimismo presencista.

               A valorização da imaginação conduzirá a uma estética surrealista que tentará a libertação da razão e o triunfo do inconsciente. Nesta corrente integram-se Mário Cesariny, Alexandre O´neil, António Mário Lisboa entre outros.

               Contestando esta estética criou-se a revista árvore em que participaram António Ramos Rosa, Sebastião da Gama entre outros.

               O Grupo pretende que o escritor mergulhe até ao pescoço na história. Aproveitando o que há de positivo no surrealismo e no neo-realismo deixando-se conduzir pelo existencialismo.

               Nos inícios do anos 50 apareceu a revista Távola Redonda sob a égide de David Mourão-Ferreira  que defende o retorno à lírica sem preconceitos de antigo  e moderno, a liberdade essencial ligada à criação e variedade de formas.

               Antes de 1957-1962 apareceu outra Revista: Notícias de Bloqueio, onde figuram nomes como: Daniel Filipe, Joaquim Pessoa, Manuel Alegre e outros

               Podemos falar ainda da poesia experimental e o Concretismo que se assumiram com uma atitude de vanguarda utilizando vocabulário minimalista e uma linguagem muito condensada. Destacam-se E. de Melo e castro e Anna Harteley, Ruy Belo, Pedro Tamen, Herberto Hélder.

               A partir dos anos 70 desenha-se um anova tendência na poesia com poetas como João Miguel Fernando, Manuel Joaquim Magalhães, Nuno Júdice entre outros, marcada com uma longa discursividade e por uma forte intertextualidade.

 

Aos Amigos

Amo devagar os amigos que são tristes com cinco dedos de cada lado.
Os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando os olhos,
com os livros atrás a arder para toda a eternidade.
Não os chamo, e eles voltam-se profundamente
dentro do fogo.
— Temos um talento doloroso e obscuro.
Construímos um lugar de silêncio.
De paixão.

Herberto Hélder

 

 

 

 



[1] www.pt.wikipedia.org/WIKI/Poesia

[2] https://pt.wikipedia.org/wiki/Poesia_de_Portugal

[3] Jogral de nacionalidade Galega

[4] https://pt.wikipedia.org/wiki/Poesia_de_Portugal

[5] https://www.trabalhosfeitos.com/ensaios/Poesia-No-Realismo/53477486.html#google_vignette

[6] Massaud Moisés, A Literatura Portuguesa

[7] Jacinto Prado Coelho, Problemática da História Literária