Dia Mundial do Livro e dos direitos de autor

21-04-2023 14:15

O livro é um sonho que seguramos nas mãos”

Neil Gaiman      

 

A 23 de Abril celebra-se “O Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor.”  A data foi instituída pela Unesco em 1995, interligados com esta data existem vários acontecimentos na história da literatura. A 23 de Abril 1616 faleceu Miguel Cervantes, 23 de Abril também é recordada como o dia em que nasceu o famoso escritor inglês William Shakespeare. (23.04.1564).

 A ideia da comemoração teve origem na Catalunha: a 23 de abril, dia de São Jorge, onde uma rosa é oferecida a quem comprar um livro.  Esta tradição tem por base a lenda de S. Jorge e o Dragão que na Catalunha assinalam para honrar a velha tradição segundo a qual neste dia os cavaleiros oferecem às suas damas uma rosa vermelha e recebem em troca um livro. Mais, recentemente, a troca de uma rosa por um livro tornou-se tradição em vários países.[1]

 

Porém, apesar das muitas iniciativas para tornar o livro um objeto indispensável de todos os portugueses estudo revela que os portugueses de forma geral lêem poucos livros.

Um inquérito conduzido pela Fundação da Gulbenkian e pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa revela um país refém de fortes desigualdades sociais no que toca o acesso à cultura. O inquérito intitula-se “As práticas culturais dos Portugueses”. Baseado em 2000 inquéritos realizados a cidadãos residentes no país com 15 ou mais anos, contando com 89 perguntas sobre práticas culturais.  O estudo centrou-se em áreas como as comuns práticas culturais por meio de internet, televisão, rádio e hábitos de leitura em formato digital, a frequência de bibliotecas e museus, galerias de arte ou monumentos e a ida a espetáculos.

Este estudo já foi alvo de um pequeno apontamento em 2022 quando foi publicado. Agora pretende-se apenas salientar, no Dia Mundial do Livro, os escassos hábitos de leitura dos portugueses.

O Jornal Expresso[2]  de 16 de Fevereiro de 2022 refere sobre este estudo que no ano de 2021 a percentagem de inquiridos que não leu um único livro impresso é de 61%. Menos leram ainda em formato digital fixando em apenas 10% os que o fizeram.

O jornal Expresso refere ainda que no estudo é explicitado que os fatores sócio económicos têm relevância para o problema.

os assíduos leitores do livro são quem tem ensino superior e que os pais o atingiram” refere José Machado Pais, coordenador do estudo.

O inquérito revela também que quanto mais jovem se é e quanto mais elevadas as qualificações académicas dos pais, maior é a probabilidade de se ter usufruído na infância e na adolescência, de experiências de contacto com o mundo do livro e de leitura espoletadas pelos progenitores ou outros familiares. Importa frisar também que a maioria dos inquiridos “raramente” ou “nunca” disfrutou até aos 15 anos de idade da leitura de histórias ou oferta de livros por parte da família ou de experiências como a ida às feiras dos livros, livrarias ou bibliotecas.

Esta realidade muda consideravelmente para melhor na faixa etária dos 15 anos aos 24 anos que têm pais mais escolarizados que as gerações mais velhas.

Transversalmente, a todas as faixas etárias no estudo  é o facto que nos doze meses anteriores ao início da pandemia 80% dos portugueses não terem entrado numa biblioteca ou arquivo.

 

 

 

O livro um artefacto já milenar…

 

A escrita surgiu na Antiguidade, antecedente ao texto e ao livro.[3]

Os  primeiros suportes utilizados para a escrita foram as tabuletas em argila ou em pedra cuneiforme encontradas na Mesopotâmia. O livro mais antigo é as Instruções a Xurupaque (c 2600 – c 2500). Considerado as limitações que os suporte materiais possuíam, os livros da Idade do bronze eram, relativamente, curtos.

A epopeia Gilgamesh, por exemplo, é  a maior obra literária em tabuletas de argila e as suas traduções ocidentais não chegam às 16 mil palavras.

Mais tarde veio o Khartés que consistia num cilindro de papiro, facilmente transportável. Os volumes eram desenrolados conforme ia sendo lidos  e os textos eram escritos a maior das vezes em colunas. Por vezes, o mesmo cilindro continha várias obras e por conta disso era denominado tomo. O cumprimento total dos volumes era de 6 a 7 metros.

O papiro consistia em parte da planta que era liberada, livrada (latim libere) da restante planta – daí surge  a palavra liber e, posteriormente, livro em português.

Os fragmentos de papiros mais recentes são datados do século II a.c.

Aos poucos  o papiro é substituído pelo pergaminho. Excerto de couro bovino ou de outros animais.

A vantagem  do pergaminho é que ele se conserva durante mais tempo.

Os “volumen” também foi substituído pelo códex que era uma compilação de páginas e não um rolo. O Codex surgiu entre os gregos como forma de codificar as leis, mas foi aperfeiçoado pelos romanos nos primeiros anos da Era Cristã. O uso do formato de códice e do pergaminho  era complementar pois era mais fácil costurar códices de pergaminhos que de papiro.

A consolidação do códex acontece em Roma, como já foi citado.  Aí a leitura ocorria tanto em Público (para a plebe) num evento chamado Recitatio, como em particular para os ricos.

Além disso, segundo a Wikipédia, é muito provável que em Roma tenha surgido pela primeira vez  a leitura por lazer (voluptas) desvinculada do senso prático que a caraterizava até então.

Já naquela época, os livros eram adquiridos em livrarias. Assim, aparece a figura do editor.

Na Idade Média, o livro sofre um pouco, na Europa, as consequências excessivas do fervor religioso e passa a ser considerado um objeto de salvação.

A caraterística mais marcante da Idade Média é o surgimento de monges copistas, homens dedicados em período integral  a reproduzir as obras herdadas dos escribas egípcios ou dos libraii romanos.

Nos mosteiros  era conservada a cultura da antiguidade. Aparecem nessa época os textos didáticos destinados à formação religiosa.

O livro continua a evoluir com o aparecimento das margens em branco. Também surge a pontuação no texto, bem como o uso de letras maiúsculas. Também surgem índices, sumários e resumos e na categoria dos géneros, além dos didáticos surgem os florilégios (coletâneas de vários autores) e textos auxiliares e eróticos.

Progressivamente, aparecem os livros em língua vernácula, rompendo com o monopólio do latim na literatura. O papel passa a substituir o pergaminho.

Mas a invenção mais importante já  nos limites da Idade Média foi a Imprensa no século XIV.

Consistia originalmente, na gravação de blocos de madeira do conteúdo de cada página do livro. Os blocos eram mergulhados em tinta e o conteúdo transferido para o papel, produzindo várias cópias.

Foi em 1405 que surgiu na China por meio de PI Sheng a máquina da Imprensa do tipo móveis mas a tecnologia que provocaria uma revolução cultural pioneira foi desenvolvida por Gutenberg.

            Em 1455 Johannes Gutenberg inventa a imprensa com tipo de móveis reutilizável, o primeiro livro imprenso nessa técnica foi  a Bíblia em latim.

Como desenvolvimento da imprensa desenvolveu-se a técnica da tipografia da qual dependia  a confiabilidade do texto e a capacidade do mesmo atingir o público.

Nos finais do século XX surgiu o livro eletrónico.

 

 

A famosa lista dos  livros do século XX[4] mais marcantes publicada pelo Jornal “Le monde” é composta por 100 livros:

 

n.º

Título

Autor

Ano

Língua

1

O Estrangeiro

Albert Camus

1942

Francês

2

Em Busca do Tempo Perdido

Marcel Proust

19131927

Francês

3

O Processo

Franz Kafka

1925

Alemão

4

 O Principezinho
 

Antoine de Saint-Exupéry

1943

Francês

5

A Condição Humana

André Malraux

1933

Francês

6

Viagem ao Fim da Noite

Louis-Ferdinand Céline

1932

Francês

7

As Vinhas da Ira

John Steinbeck

1939

Inglês

8

Por Quem os Sinos Dobram

Ernest Hemingway

1940

Inglês

9

O Bosque das Ilusões Perdidas

Alain-Fournier

1913

Francês

10

A Espuma dos Dias

Boris Vian

1947

Francês

11

O Segundo Sexo

Simone de Beauvoir

1949

Francês

12

Esperando Godot

Samuel Beckett

1952

Francês

13

O Ser e o Nada

Jean-Paul Sartre

1943

Francês

14

O Nome da Rosa

Umberto Eco

1980

Italiano

15

Arquipélago Gulag

Alexander Soljenítsin

1973

Russo

16

Palavras

Jacques Prévert

1946

Francês

17

Álcoois

Guillaume Apollinaire

1913

Francês

18

O Lótus Azul

Hergé

1936

Francês

19

O Diário de Anne Frank

Anne Frank

1947

Holandês

20

Tristes Trópicos

Claude Lévi-Strauss

1955

Francês

21

Admirável Mundo Novo

Aldous Huxley

1932

Inglês

22

Mil Novecentos e Oitenta e Quatro

George Orwell

1949

Inglês

23

Asterix o Gaulês

René Goscinny e Albert Uderzo

1959

Francês

24

A Cantora Careca

Eugène Ionesco

1952

Francês

25

Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade

Sigmund Freud

1905

Alemão

26

 A Obra ao Negro
 

Marguerite Yourcenar

1968

Francês

27

Lolita

Vladimir Nabokov

1955

Inglês

28

Ulisses

James Joyce

1922

Inglês

29

O Deserto dos Tártaros

Dino Buzzati

1940

Italiano

30

Os Moedeiros Falsos

André Gide

1925

Francês

31

O Hussardo no Telhado

Jean Giono

1951

Francês

32

Bela do Senhor

Albert Cohen

1968

Francês

33

Cem Anos de Solidão

Gabriel García Márquez

1967

Espanhol

34

O Som e a Fúria

William Faulkner

1929

Inglês

35

Thérèse Desqueyroux

François Mauriac

1927

Francês

36

Zazie no Metro

Raymond Queneau

1959

Francês

37

Confusão de Sentimentos

Stefan Zweig

1927

Alemão

38

 E Tudo o Vento levou
 

Margaret Mitchell

1936

Inglês

39

O Amante de Lady Chatterley

D. H. Lawrence

1928

Inglês

40

A Montanha Mágica

Thomas Mann

1924

Alemão

41

Bom dia, Tristeza

Françoise Sagan

1954

Francês

42

O Silêncio do Mar

Vercors

1942

Francês

43

A Vida Modo de Usar

Georges Perec

1978

Francês

44

O Cão dos Baskervilles

Arthur Conan Doyle

19011902

Inglês

45

Sob o sol de Satã

Georges Bernanos

1926

Francês

46

O Grande Gatsby

F. Scott Fitzgerald

1925

Inglês

47

A Brincadeira

Milan Kundera

1967

Checo

48

O Desprezo

Alberto Moravia

1954

Italiano

49

O Assassinato de Roger Ackroyd

Agatha Christie

1926

Inglês

50

Nadja

André Breton

1928

Francês

51

Aurélien

Louis Aragon

1944

Francês

52

O Sapato de Cetim

Paul Claudel

1929

Francês

53

Seis Personagens à Procura de um Autor

Luigi Pirandello

1921

Italiano

54

A Resistível Ascensão de Arturo Ui

Bertolt Brecht

1959

Alemão

55

Vendredi ou les Limbes du Pacifique (em francês)

Michel Tournier

1967

Francês

56

A Guerra dos Mundos

H. G. Wells

1898

Inglês

57

 Se Isto É um Homem
 

Primo Levi

1947

Italiano

58

O Senhor dos Anéis

J. R. R. Tolkien

19541955

Inglês

59

Les Vrilles de la vigne (em francês)

Colette

1908

Francês

60

Capital da dor

Paul Éluard

1926

Francês

61

Martin Eden

Jack London

1909

inglês

62

A Balada do Mar Salgado

Hugo Pratt

1967

Italiano

63

O Grau Zero da Escrita

Roland Barthes

1953

Francês

64

A honra perdida de Katrarina Blum

Heinrich Böll

1974

Alemão

65

A Costa das Sirtes

Julien Gracq

1951

Francês

66

As palavras e as coisas

Michel Foucault

1966

Francês

67

Pé na estrada

Jack Kerouac

1957

Inglês

68

A Maravilhosa Viagem de Nils Holgersson através da Suécia

Selma Lagerlöf

19061907

Sueco

69

A Room of One's Own (em inglês)

Virginia Woolf

1929

Inglês

70

Crônicas Marcianas

Ray Bradbury

1950

Inglês

71

O deslumbramento de Lol V. Stein

Marguerite Duras

1964

 

72

O Processo de Adão Pollo

J. M. G. Le Clézio

1963

 

73

Tropismes (em francês)

Nathalie Sarraute

1939

 

74

Jornal

Jules Renard

1925

 

75

Lord Jim

Joseph Conrad

1900

 

76

Escritos

Jacques Lacan

1966

 

77

O Teatro e seu Duplo

Antonin Artaud

1938

 

78

Manhattan Transfer (em inglês)

John Dos Passos

1925

 

79

Ficções

Jorge Luis Borges

1944

 

80

Moravagine (em francês)

Blaise Cendrars

1926

 

81

O General do Exército Morto

Ismail Kadare

1963

 

82

A Escolha de Sofia

William Styron

1979

 

83

Romancero Gitano

Federico García Lorca

1928

 

84

Pietr-le-Letton (em francês)

Georges Simenon

1931

 

85

Nossa Senhora das Flores

Jean Genet

1944

 

86

O Homem sem Qualidades

Robert Musil

19301932

 

87

Fureur et mystère (em francês)

René Char

1948

 

88

 À Espera no Centeio
 Uma Agulha num Palheiro
 

J. D. Salinger

1951

 

89

No Orchids For Miss Blandish (em inglês)

James Hadley Chase

1939

 

90

Blake & Mortimer

Edgar P. Jacobs

1950

 

91

Os Cadernos de Malte Laurids Brigge

Rainer Maria Rilke

1910

 

92

La Modification (em francês)

Michel Butor

1957

 

93

As origens do totalitarismo

Hannah Arendt

1951

 

94

 O Mestre e Margarita
 

Mikhail Bulgakov

1967

 

95

 Rosa-Crucificação
 

Henry Miller

19491960

 

96

 The Big Sleep
 

Raymond Chandler

1939

 

97

Amers (em francês)

Saint-John Perse

1957

 

98

Gastão

André Franquin

1957

 

99

Debaixo do Vulcão

Malcolm Lowry

1947

 

100

Os Filhos da Meia-Noite

Salman Rushdie

1981

 

 

Também a revista Estante da Fnac considerou os 12 melhores livros dos últimos 100 anos considerando as datas de  1 de Janeiro de 1916 e 1 de janeiro de 2016 em Portugal os seguintes:

 

  • A Casa Grande Romaringães, Aquilino Ribeiro
  • A Sibila, Augustina Bessa Luís
  • Finisterra, Carlos de Oliveira
  • Humus, Raul Brandão
  • Livro Dessassossego, Fernando Pessoa
  • Mau Tempo no Canal, Vitorino Nemésio
  • O Ano da Morte de Ricardo Reis, Fernando Pessoa
  • Delfim, José Cardoso Pires
  • Os Cus Judas, António Lobo Antunes
  • Passos em Volta, Helberto Hélder
  • Para Sempre, Vergílio Ferreira
  • Sinais de Fogo, Jorge Sena

 

Porém como livros de sempre podemos considerar o incontornável Os Lusíadas de Luís Vaz de Camões, Os Maias de Eça de Queiroz, Amor de perdição de Camilo Castelo Branco, entre outros

 

Apesar dos hábitos de leitura dos portugueses segundo o estudo já acima referido não estarem famosos o livro continua a ser a nível mundial um veículo de cultura, conhecimento e lazer indispensável. Segundo a Unesco a cada ano se publicam 2, 2 milhões novos livros.



[1] https://www.ipp.pt/noticias/o-p-porto-oferece-um-livro-no-dia-em-que-se-celebra-a-leitura

[2] https://expresso.pt/cultura/2022-02-16-61-dos-portugueses-nao-leram-um-so-livro-no-ultimo-ano

[3] https://pt.wikipedia.org/wiki/Livro

[4] https://pt.wikipedia.org/wiki/Os_100_livros_do_s%C3%A9culo_XX_segundo_Le_Monde