Dizer Bom Dia não custa nada...
Porque nunca é demais dizer Bom Dia[1]…
Andamos todos tão acinzentados e aos encontrões que já não sabemos sorrir e até nos esquecemos como é importante dizer “Bom Dia”, ou, simplesmente, um “Olá, tudo bem!...” Afinal, para que foi o banho de boa educação que recebemos das nossas famílias e fomos receber às escolas públicas, que se aplica à maioria, da qual eu faço parte. Nem sequer estou a falar daqueles que tiveram oportunidade de frequentar as melhores escolas Internacionais, como por exemplo, Cambridge e Oxford em Inglaterra, a Sorbonne em França, Havard nos Estados Unidos e Bolonha em Itália e se tornaram “cidadãos do mundo”.
Acordar com um sorriso já é uma coisa rara hoje em dia. Andamos todos esgotados com as tarefas do dia-a-dia que nos esquecemos do essencial. E como diz Antoine de Saint-Exupery, “Só se vem bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos”. As famílias acordam de manhã com o toque do despertador misturado com a gritaria da criançada. Não há paz nem sossego no quotidiano truculento das famílias portuguesas. Nem a tão sonhada cumplicidade a dois antes da era das “fraldas e dos biberons”. Quando todos os momentos, por mais insignificantes que parecessem aos olhos de quem estava de fora, para os casais enamorados eram especiais e fazia com que acordassem com música suave um olhar sonhador todas as manhãs. Não fosse o amor a melhor vitamina natural para enfrentar com um sorriso as adversidades do dia-a-dia e também a mais poderosa.
Agora, para a maioria das famílias, mal se começa a ouvir os pequenos barulhinhos da rua e o sol começa a tentar entrar pela janela a cama do casal é invadida pela criançada e começam as guerras de almofadas. E logo de seguida começa um chorrilho de perguntas e reclamações. Quando tomamos o pequeno almoço? Preciso de dinheiro para comprar uma régua de 50 centímetros? Mãe o “mano” bateu-me! Mãe não consigo atar as sapatilhas? Pai, és tu que hoje me levas à escola?...Parecem autênticas matracas. E depois é olhar para a loucura do relógio e perceber que vão começar as “correrias” Começam as “correrias” para a casa de banho, a luta pelo duche rápido da manhã em cinco minutos, as “correrias” para mesa onde as torradas, o leite com cereais se misturam e tudo o resto típico do pequeno almoço dos portugueses. E depois é a “correria” para o carro e decidir quem vai fazer a distribuição dos mais novos pelas escolas.
E o trânsito é sempre mais lento do que a ânsia de chegar onde pretendemos. Ou são as filas infernais típicas da grandes cidades ou é um trator que surge, na localidades mais rurais, em marcha lenta quando o tempo fica cada vez mais escasso e a urgência é imperativo da manhã.
Assim andamos em perfeito “stress” todas as manhãs sempre a correr entre tarefas, sem tempo para esboçar um sorriso, ou entabularmos dois dedos de conversa com os nossos amigos, colegas, ou até com a senhora que nos serve o café, ou com o funcionário da tabacaria onde compramos o jornal ou uma raspadinha da sorte, ou também com estafeta que passa por nós a correr e nos estende a publicidade do supermercado E muito menos ainda, com a menina da limpeza que vai empurrando o balde e a esfregona pelo chão que nós depois vamos espezinhar sem querer.
Essa história de cumprimentar toda a gente com um sorriso mais parece uma lição de etiqueta e boas maneiras da socialite Paula Bobone.
Não é nada disso.
É muito mais que isso, é dar um sinal de alegria e uma mensagem subliminar que uma das muitas missões que temos que cumprir na terra é contagiar, transformar sensibilidades, “construir pontes” entre todos. Todos fazemos parte de algo muito maior que nós, muito acima de nós onde cada um tem o seu lugar. E o direito a ter a sua identidade.
Para dizer a verdade atenção ao mundo que nos rodeia e sensibilidade para com o outro não é assim tão inata como aparentemente julgamos, nem é “um ou se tem ou não se tem”. Essas características humanas também se desenvolvem ao longo das nossas vidas e a medida que vamos crescendo e vamos entrando em contacto com o meio social onde estamos inseridos.
Para dizer a verdade, já fui tão cinzenta como a maioria. Cresci numa aldeia no coração do ribatejo, antes de ingressar na Escola Primária. Tinha apenas a minha avó por companhia, uma viúva austera com uma personalidade um tanto ou quanto “anti-social”. Repetia-me insistentemente “não fales com estranhos”. Ali ia crescendo no meio do campo, só tendo como amigos os animais domésticos que a minha avó criava, que eram essencialmente “galinhas” e “coelhos”. A quem, apesar de tenra idade e não ser educada para tal, já entendia a importância de as tratar pelo seu nome próprio. A memória já me falha, era pequenina, com menos de seis anos, só me recordo da galinha “bisnaga” e da “pinta Lucinda”. Claro que esses amigos, eram amigos temporários, a lei das suas vidas era ténue, só duravam enquanto não se tornavam apetecíveis para o prato. Cresci sem o mínimo contacto com o mundo social.
Havia um amigo especial, o meu vizinho Pedro. Mas a minha avó não gostava nada dessa amizade, ela não via com bons olhos meninos e meninas brincarem sozinhos. Era proibido. Mas, eu desafiava as regras porque gostava da sua companhia e quando ela me deixava sozinha para ir ao mercado, eu saltava pela janela e ia brincar com o meu amigo.
Aos seis anos os meus pais foram-me buscar para junto deles - também é preciso explicitar que eu não vivi sempre com eles devido aos seus trabalhos extenuantes que os impedia de ter tempo para mim durante a semana - Foi uma mudança radical. Uma mudança do oito ao oitenta. Como tem sido usual em toda a minha vida. Ora tenho tudo ora não tenho nada. Passei do zero contactos fora do núcleo familiar aos contactos habituais da vida em comunidade, o contacto com os vizinhos da minha rua, o contacto, com os colegas na escola e muitos outros que não importa agora precisar.
Quando saia, com os meus pais, do minúsculo apartamento onde vivia começava a “dança das simpatias”. O meu pai e a minha mãe insistiam comigo na regra da saudação: “diz Bom Dia”; “cumprimenta as pessoas, Ana”. Eu pouco habituada a ver rostos estranhos, escondia-me atrás das saias da minha mãe e sorria timidamente, ora fazia uma careta ora fugia.
Na escola, à custa da minha teimosia de nem sempre querer cumprir as regras, fiquei três horas de pé porque me recusei dizer “Bom Dia” e “pedir licença para entrar na sala de aula porque chegara atrasada”.
E ainda me lembro também de outro episódio da minha faceta misantropa, quando levei uma palmada do meu tio César (ainda sou do tempo quando a família dava uma palmada a criança não se chamava a comissão de proteção de crianças e jovens) porque não quis dar um beijinho a um convidado.
Pois é. Ser-se simpático por vezes é muito difícil…de desenvolver.
Ainda andei assim vários anos, virada para mim mesmo com ar abandonado e ausente.
O meu ar um tanto ou quanto nuvem negra não atraia muitas amizades e nunca fui muito popular.
Porém algo aconteceu que me modificou.
Já não sei quando se deu a explosão emocional nem sei explicar o porquê. Compreendi que o sorriso era um passaporte para a vida e para a felicidade. E tornei uma rapariga com uma certa desenvoltura. Comecei a cumprimentar de forma risonha tudo e todos sem distinção. Compreendi o prazer de criar reciprocidades.
Sorrindo vamos ao encontro do outro. Uma palavra agradável pode ser um óptimo desbloqueador de conversas ou até o princípio de uma bela amizade ou apenas uma borrifadela de felicidade e positivismo ao outro.
Os economistas dizem que dinheiro atraí dinheiro. Em jogos económicos estou fora da corrida nem me esforço por tentar participar, além do mais, esses jogos vão contra as razões do meu coração.
Mergulho no mundo da sensibilidades e humanismo.
Dou o meu sorriso ao outro. Dou parte da minha alegria. Parte da minha felicidade. Por vezes o meu sorriso está um pouco “amarelado”, escondendo uma dor moída e, por vezes, um certo pudor. O “Bom Dia” surge num fio voz, quase impercetível…De forma contida.
Mas é importante persistir porque recusar saudar só porque acordamos em dia “não” é fechar-nos em nós próprios. Só conseguimos vislumbrar os nossos problemas e não vemos o outro em si mesmo. Por isso, dizer “Bom Dia” é olha-lo nos olhos e perceber se os seus olhos devolvem alegria ou disfarçam uma névoa de tristeza ou até um certo azedume.
Parar nem que seja dois segundos da “correria” do dia-a-dia para dizer “Bom Dia” e se possível sorrir também e dar um pouco de nós ao outro e receber muito mais do que esperamos quando o outro nos devolve o “Bom Dia” com sorriso e a mesma alegria.
E assim vamos estabelecendo correntes de positivismo e felicidade entre todos. É um pequeno gesto que damos aos que nos rodeiam transmitindo-lhes que são importantes para nós e os respeitamos como seres humanos. Partilhar alegria é construir pontes de felicidade.
Ana Margarida Alves
[1] Bom Dia, assume aqui um sentido metafórico significa saudar as pessoas (Bom Dia, Boa Tarde, Boa Noite)