Jornalismo e Comunicação nos alvores do século XXI...
Opinião
A crise jornalística atual fez-me recordar esta passagem do livro “Cartas a Um jovem jornalista. Juan Luís Celebrián refletindo sobre as problemáticas do jornalismo na atualidade escreve ao seu discípulo Honório “Sempre me impressionou a imagem de Quevedo – jornalista a seu modo, e no seu tempo – a esconder debaixo do guardanapo do conde duque o memorial de agravos que fez com que desse com os ossos na prisão de Leão, convertida hoje em pousada turística.
«Não calarei, por muito que aconselhes o silêncio, ou ameaces de morte. Não haverá um espírito valente? Sempre tem que sentir-se o que se diz? Nunca há-de dizer-se o que se sente?» Di-lo tu, Honório, sê fiel à máxima e gere silêncios e palavras sem outra regra que a da verdade e a do bem público, sem mais limitações do que o respeito pela liberdade e o direito dos outros”.
Os despedimentos no jornal público e as restrições contratuais do serviço público da Agência de Notícias Lusa foram a gota de água que fez incendiar a comunicação social e leva-la a manifestar-se nas ruas.
Uma atitude corajosa duma classe profissional repleta de secretismo e de silêncios magoados tal é forma como nos últimos anos têm sido tratadas os profissionais da informação.
Em 12.10.2012 -16:45 o jornal Público anuncia uma greve geral para 19 de Outubro de 2012
“Na sequência do anunciado despedimento colectivo de 48 pessoas, foi convocada para a próxima sexta-feira uma greve dos trabalhadores do PÚBLICO. A greve foi decidida esta semana, em plenário de trabalhadores, numa moção apresentada em conjunto pela comissão de trabalhadores e pelo conselho de redacção do jornal.
O despedimento de 48 pessoas – 36 das quais da área editorial – faz parte de um plano de redução de custos, que visa um corte de 3,5 milhões de euros de custos fixos.
«Este despedimento inviabiliza a continuidade do PÚBLICO enquanto órgão de comunicação social de referência, viola o espírito do acordo celebrado com os trabalhadores a 29 de Dezembro de 2011, e compromete gravemente a responsabilidade social do accionista", lê-se na moção, que foi aprovada com 120 votos a favor num universo de 171 votantes. A empresa justificou o despedimento com a "forte tendência de queda de receitas em resultado do efeito de substituição do papel pelo online» e com «os severos impactos da actual crise económica, quer nas receitas de circulação, quer nas receitas de publicidade» A greve é convocada pelo Sindicato dos Jornalistas e a Federação Intersindical das Indústrias Metalúrgicas, Químicas, Eléctricas, Farmacêutica, Celulose, Papel, Gráfica, Imprensa, Energia e Minas e abrange todos os trabalhadores.”
Luís Paulo Rodrigues consultor de comunicação e autor do blogue “Comunicação Integrada” acredita que ao despedir 48 trabalhadores a maioria deles jornalistas, ao desinvestir na informação local, ao anunciar uma aposta no espaço público digital, o jornal “Público” – essa referência incontornável do jornalismo português nos últimos 20 anos, onde tive o enorme prazer de trabalhar – torna-se ainda menos jornal. E termina um processo de mudança que fez do “Publico” de hoje um jornal totalmente distinto do “Público” da última década do século XX- cujo o modelo, na altura, impulsionou mudanças editoriais em toda a imprensa portuguesa.” [https://briefing.pt]
Os despedimentos agora anunciados resultam de cortes sem nexo que não tiveram em conta a sobrevivência do próprio jornal.
Também a Agência Lusa iniciou à meia-noite desta quinta-feira (18.10.2012) uma greve que se prolongará até domingo, em protesto contra o corte de 30% no contrato-programa com o Governo, previsto na proposta do novo Orçamento do Estado (OE) para 2013. [jornal sol]
Com esta atitude os jornalistas assumem publicamente uma crise instalada há muito no seio da comunicação social. Uma classe sem regras, de acesso restrito com um estatuto profissional mal assumido e defendido.
A estes jornalistas em greve deviam juntar-se milhares de profissionais anónimos, precários que alimentam o mundo da informação, perdidos, sem identidade, diluídos no universo competitivo, restritivo e agressivo que carateriza esta classe profissional. Talvez ganhassem pela primeira vez voz…sendo eles tantas vezes a voz dos outros, dos seus problemas políticos, económicos e sociais.
A crise jornalística ganhou forma, num momento em que Portugal vive uma das maiores crises de entre séculos – a passagem do século XX para o século XXI -, crise, sócio económica, cultural e política. Adensando-se ainda mais a pobreza, o desemprego e a precaridade.
Parece que a crise instalada veio para ficar e os jornalistas não fogem à regra. Até porque existe uma grande falta de unidade na defesa duma das mais importantes funções das sociedades modernas que é o direito e o dever de Informar.
No livro de estilo do Público encontramos na entrada Informação a sua definição.
“1.Para o Público, é essencial que a informação seja rigorosa - completa e fundamentada – sobre fatos e não sobre rumores – o que não é incompatível com a procura de formas inovadoras de noticiar, interpretar e editar a atualidade, segundo códigos de comunicação adequados a novos hábitos e tempos de leitura que fazem parte do quotidiano português. Escrita para informar, a notícia deve sempre começar com mais informação do que aquela de que o leitor dispõe no dia em que compra o jornal. A informação complementar e diferente, o “background” e protagonização da notícia, a análise e interpretação indispensáveis à sua compreensão integram e distinguem o estilo do Público.2.Na avaliação de uma informação influem três fatores: o valor intrínseco da informação, a possibilidade de ela ser comprovada e a idoneidade da fonte. O princípio do contraditório prevalecerá sempre que houver mais de uma pessoa ou entidade envolvidas. O Público não sonega nenhuma informação e publica tudo o que revestir interesse jornalístico – isto é, for baseado num fato verdadeiro, inédito, surpreendente ou atual que seja de interesse para os leitores e não colida com preceitos éticos e deontológicos atrás descritos.3.Regra geral, uma informação deve ser sempre atribuída à fonte de origem, identificada com a maior precisão possível – nome, idade e profissão, cargo ou função.4. Toda a informação “on” ou “off” deve ser sempre avaliada, confirmada e, se possível, contraditada antes da publicação. Se subsistirem dúvidas quanto à veracidade de uma informação, é preferível adiar a sua publicação, sacrificando, inclusive, a atualidade. As informações fornecidas com qualquer embargo deverão ser sempre reconfirmadas e discutidas, previamente com o responsável do setor. Na recolha de informações – testemunhos, opiniões ou imagem fotográfica – deve ter-se sempre a garantia de que não existe qualquer constrangimento ou limitação artificial, de ordem emocional, psicológica ou até física, das pessoas envolvidas. 5.Não existem fronteiras absolutas entre os três níveis distintos na elaboração do texto: informação (fatos), interpretação (relacionamento dos fatos entre si) e opinião (juízo de valor sobre os fatos). Mas uma relação séria e leal com o leitor pressupõe séria o respeito pela diferença de códigos entre informação e opinião. O equilíbrio e a complementariedade entre informação e opinião são a preocupação permanente do Público em todas as suas áreas editoriais.”
Este caso é apenas um exemplo, aplica-se a toda a comunicação social. Ora fica subjacente que informar não é uma brincadeira de crianças, é exigente, rigorosa e complexa. E sobretudo efetuada sobre uma pressão alucinante de prazos de horas. O leitor quer saber tudo na hora e no momento imediato.
Por outro lado, o rigor inflexível é uma exigência imperativa. As páginas dos jornais que o leitor comum utiliza para todos os fins até inclusivamente para “embrulhar as castanhas assadas” no outono. Constituem referências e fontes da História e da Investigação científica e até relatam em primeiro lugar os acontecimentos do mundo. Juan Luís Cebrián reforça “o jornalista é, por natureza, um generalista, mas um jornalismo de qualidade, exigente e rigorosa na descrição dos fatos, precisa de um bom número de especialistas – em economia, em ciência, em saúde em leis – capazes de compreenderem o que sucede e de narra-los aos outros (…) Se queres ser jornalista dos bons[Honório]tens que aprender a ler um balancete, mas também localizar no mapa novos países da Europa de leste. Precisas de uma cultura suficiente e um interesse grande por tudo o que se passa: ou seja, pontos de referência, critérios, métodos de pesquisa. Nada melhor que a universidade para ensinar tudo isso, sobretudo se te aproximas dela com ânimo multidisciplinar e não com presunção burocrata.”
Assim a dispensa de jornalistas dos órgãos informativos- que são por natureza escrevedores, pesquisadores, telefonistas, meio policias farejadores e psicanalistas – é talvez um sinal que a economia se encontra à frente da qualidade informativa. O jornalismo fica comprometido. O serviço público de informar com rigor fica comprometido…
E tendo em conta que informar é uma das funções primordiais e essenciais das sociedades modernas. É preciso pensar a informação como algo mais abrangente…não como uma profissão restritiva e inacessível.
O cidadão moderno tem sede de informação e exige ser bem informado e por isso contribuem todos os meios de comunicação social, agências noticiosas, empresas, editoras de publicações, instituições públicas e privadas. Porque a comunicação integra pessoas e precisa de especialistas em tratamento de informação. Adequado a todas as pessoas.
Engloba desde o jornalista curioso que vai ao local ver como estão as coisas e recolhe informação, ao redator, ao grande especialista e ao grande repórter…
Tudo é informação. O que? Onde? Como? Quando? Porquê? Está presente em quase todos os nossos atos diários.
Talvez por isso a função de informar se torne num dos veículos mais importantes das sociedades modernas.
Talvez, por isso, os tempos de crise apelem a
o bom senso, à abrangência e à unidade e não à competição desenfreada. Porque todos somos pessoas.
Outubro de 2012