Julian Assange e as verdades inconvenientes

20-06-2022 09:52

 

 

            Julian Assange corre o risco de lhe vir a ser aplicada uma pena de prisão 175 anos uma vez que a secretária do Interior do Reino Unido Priti Patel aprovou o pedido do governo dos EUA para extraditar, segundo uma notícia divulgada pelos meios de comunicação social. Julian Assange tem agora 14 dias para recorrer e inverter esta sentença que o poderá levar a vida de reclusão e isolamento social para o resto da sua vida, nos Estados Unidos.

            Este ativista australiano, programador informático e jornalista criou um portal na Internet (wikileaks) onde divulgava informação confidencial (ultra-secreta). Essa sua atitude anti-sistema despertou a fúria dos Estados Unidos quando veio pôr a nu toda a verdade sobre os abusos dos Estados Unidos na sua base militar em Guantánamo (Cuba) e nas guerras do Iraque e Afeganistão.

            O ativista viu-se obrigado a fugir para não ser encancerado nas prisões dos EUA. Acabou por conseguir asilo político na Embaixada do Equador em Londres onde esteve de 2012 a 2019. Julian Assange encontra-se, atualmente, detido em Belmarsh, uma prisão de alta segurança, no Reino Unido. A Justiça norte-americana acusa-o de 18 alegados crimes de espionagem e invasão de computadores . Julian Assange publicava no seu “site” documentos confidenciais que não interessavam aos poderes vigentes que viessem a lume e se tornassem públicos.

            Claro que se poderá dizer que Julian Assange não utilizou métodos muito ortodoxos para obter essa informação privilegiada. Teve acesso indevido a documentos, não respeitando as leis que protegem os segredos de estado. Todavia, um bem maior se impunha: o dever de informar os cidadãos sobre os abusos que se passam por detrás da cortina do poder. E, por isso, foi perseguido até às últimas consequências.

            Se a extradição for consumada, Julian Assange poderá ter que viver numa carcere dos Estados Unidos até ao fim dos seus dias.

            A Amnistia Internacional através de uma petição pública já veio alertar que o ativista “enfrenta o risco real de sofrer graves violações de direitos humanos incluindo possíveis condições de detenção equivalentes a tortura e maus tratos (tais como isolamento prolongado).”.

            Ora essa iminente condenação vai contra todas as convenções internacionais que velam pelo direito da pessoa humana. O artigo 9º da Declaração Universal dos Direitos Homem alude que “ninguém pode ser, arbitrariamente preso detido ou exilado”; O artigo 5º refere “Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”, outros artigos poderiam ser citados como o artigo 18º que reforça  o direito do cidadão à liberdade de pensamento, o artigo 19º frisa que todos os cidadãos são livres de expressar as sua opiniões ou até mesmo podemos fazer referência ao artigo 11º que aborda o direito à presunção da inocência até que seja provado o contrário.

            Ora extraditar para os Estados Unidos um cidadão - que como jornalista exerceu o seu dever  de informar – onde as penas são cruéis e desumanas, é, evidentemente, condenar uma pessoa a uma morte antecipada. Aliás, Julian Assange desde 2012 que vive de uma forma degradante. No exílio da embaixada do Equador em Londres onde viveu em espaço exíguos sem liberdade de circulação (quando deixou de estar exilado na embaixada e foi conduzido à prisão em Ingalaterra, nem parecia a mesma pessoa que fundou o “Wikileaks”, apresentava-se num estado lastimoso como se a sua vida naquele período tivesse sido uma autêntica “descido aos Infernos” de Dante). Julian Assange já está a morrer lentamente há muitos anos só porque atingiu “os intocáveis” poderes estabelecidos dos Estados Unidos.

            Condenar Julian Assange a uma possível pena de 175 anos de prisão é mesmo que condená-lo a um a prisão perpétua e nega-lo o direito à vida. Porque a vida atrás das grades é uma renuncia à vida e nega-lo o direito de ser  pessoa. Ninguém é pessoa se lhe negam  a liberdade de estar onde quiser,  com quem quiser, de partir quando quiser. O direito de se expressar e tomar as rédeas do próprio destino. O direito de ser.

            Julián Assange, como jornalista, apenas quis desconstruir o jogos de poder e destapar o véu do obscurantismo que se vive no meandros da política dos Estados Unidos.

            Claro que é preciso frisar que o direito de informar choca com o direito à privacidade. E Julian Assange, efetivamente, foi irregular na sua forma de agir , invadiu computadores sem autorização, teve acesso documentação sigilosa sem autorização, expôs em praça pública segredos de estado  Todavia, condenar Julian Assange a uma pena tão dura parece-me desajustado.

            O papel do jornalista nas sociedades modernas é um pouco ingrato porque para além do dom da palavra, tem que ter alma de investigador, espírito de inquisidor permanente que questiona tudo e põe tudo em questão, tem que usar a palavra quando todos os outros se remetem ao silêncio. Tem que ir para a frente de batalha em busca da verdade, correr o mundo em busca de uma pista, de uma declaração ou imagem.  O jornalista tem que exercer a sua profissão com paixão. É um desafiador de verdades estabelecidas e um desbloqueador de silêncios, dando voz aos silenciados, torna visível as injustiças e apoio de forma, subliminar os mais vulneráveis. Não tem armas de fogo apenas usa ao sua “pena”, essa “pluma caprichosa” difícil de controlar. E esse papel tão peculiar, só é evidentemente, reservado a núcleo muito restrito. Por isso, é que há muitos escritores e escrevedores, comentadores mas, os jornalistas que exercem a sua profissão, oficialmente, e são reconhecidos pelo seu trabalho são muito poucos.

            Todavia, o poder voa mais alto que  a voz humana e pune, severamente, aqueles que desafiam os códigos secretos do segredo. E mesmo, dentro do próprio jornalismo há corporativismo e interesses que colidem com o  dever de informar. A jornalista Sandra Felgueiras foi afastada da RTP do programa “Sexta às 9” porque a sua sede de verdade fazia tremer o poder político e institucional.

            Também relacionado com as “questões de verdade” mas em outro quadrante, temos o caso do “hacker” Rui Pinto que veio revelar informações confidenciais e foi perseguido pela Justiça por pôr a descoberto conteúdo confidencial dos famosos “emails” dos clubes de futebol. Chegou mesmo a se preso e foi uma autêntica batalha judicial pela luta pela sua liberdade. Que a muito custo obteve em 2020.

            O sistema está formatado para se falar entrelinhas, verdades subentendidas, pequenas mentiras (a quem lhe chame caridosas). Nada é linear.

No século XXI, vive-se na Era das democracias e dos direitos humanos. Todavia, a censura, ainda, é apanágio das sociedades modernas.

Sophia de Mello Breyner  tem um poema que define muito todos aqueles que nos mais diversos quadrantes nos dias de hoje lutam pela claridade, pela verdade e justiça que posso citar “Porque os outros se mascaram mas tu não/Porque os outros usam a virtude para comprar o que não tem perdão/Porque os outros tem medo mas tu não/Porque os outros são túmulos caiados onde germina calada a podridão/Porque os outros se calam mas tu não”

 Ana Margarida Alves