Quando atingimos a “adultez”…sentimos tantas saudades da velha infância

26-10-2022 17:14

 

            Neste mundo vertiginoso,  em que desejamos que o dia tenha 48 horas somos estimulados por tudo e mais alguma coisa. Antes de encontrarmos o nosso verdadeiro caminho. Andamos às voltas e voltas sem sabermos bem se a nossa bússola nos indica o norte ou o sul. Mas, esta incessante, procura de nós mesmos, começa antes, muito antes, ainda antes do tempo dos segredos, das mensagens subliminares entrecortadas de longos silêncios incompreensíveis em forte oposição ao mundo das emoções e das palavras plurissignificativas.

            Quando ainda somos crianças descobrimos, rapidamente, que brincar sozinho é tão aborrecido e queremos fazer amigos  com um desejo avassalador de  abraçar todo o mundo de uma forma indistinta.

            Na minha infância quando estava sozinha - era filha única, e por isso a única menina da casa, minto havia uma prima direita que foi criada como uma filha pelos meus pais e me arreliava porque era muito mais velha e  já queria era outras brincadeiras – eu adorava brincar com bonecas, como qualquer criança de tenra idade. Eu nasci com o coração típico da criança comum a saber imenso a “bolacha maria.”

            Por isso adorava ter a oportunidade de sair fora de portas e fazer novos amigos. Claro que nessa fase,  o nosso coração é puro e todas as crianças que surgem à nossa volta com um sorriso de orelha a orelha com  a língua afiada para a converseta são nossas amigas. Muitas vezes, conversas completamente “amalucadas” sem grande sentido, típicas da criança com uma imaginação tão fértil como o mundo. Uma das minhas primeiras amigas do tempo de infância chamava-se Sónia e uma das nossas brincadeiras favoritas era imaginarmos que eramos poliglotas e “falajávamos” sem parar uma panóplia de sons esquisitos como se fossemos estrangeiras…Divertíamos à brava.

 Talvez ela se sentisse um pouco mais estrangeira que eu porque era de outra raça, era africana. Mas na minha mente de criança nunca a achei nada estranha pois ela era tão igual a mim em todos os outros…Mal sabia eu que no mundo dos adultos existia a palavra “racismo” e que por causa disso muitas crianças são diferenciadas e discriminadas.

            Assim, os nossos primeiros amigos são os amigos do bairro que cumprimentamos todos os dias e nos desafiam de quando em quando para a brincadeira.

            Nos meus tempos de criança os grandes desafios passavam-se na “sala de estar da rua” que transformávamos em “casa de bonecas”, em campos de futebol, em jardim floridos para brincarmos à apanhada e às escondidas, mas na verdade era tudo pedras da calçada e asfalto.

            Agora nos tempos modernos, a “sala de estar” é a “sala” que também é dos pais e por isso já é preciso uma autorização superior para a revolução dos espaço com as típicas fantochadas, teatrinhos ou até para se monopolizar  a televisão, onde as crianças passam horas sem fim  a verem os desenhos animadas e a jogarem “playstation”  Apesar, de em bom rigor, os especialistas alertarem para excesso de consumo audiovisual nos primeiros anos de vida. Mas, os pais e a criançada adoram contrariarem as regras oficiais…

            Do mundo puro onde tudo é sensibilidade, emoção, onde as birras das crianças que acabam ao fim de cinco minutos…e num ápice fica tudo bem e chovem abraços e beijinhos…e desculpas marotas,  damos um salto e entramos  na adolescência.

            E aí entramos numa fase esquisita. Somos, ainda, amigos de toda a “gente”. No entanto, já sentimos a necessidade de termos amigos especiais. Aqueles  com quem falamos outras coisas bem diferentes daquelas que falamos a todos os outros. E que desafiamos para uma aventuras  um pouco mais longínquas que o próprio bairro. É fase da multiplicidade de grupinhos especiais. Cada um se aproxima da sua tribo…

            Passamos da fase em que somos todos mais ou menos “igualzinhos” e deixamos  de estar virados apenas para o interior de nós mesmos e começamos a perceber que gostamos de coisas diferentes do modelo geral que até então seguíamos sem grandes dramas.

            Começamos a ligar mais aparência. Que até o surgimento de uma simples borbulha no rosto nos enche de angústia. E tudo o que podia ser um “assim-assim” incipiente é esbatido com o nosso desejo de afirmarmos a nossa identidade cada vez mais detalhada e precisa.

            E aparência…é só a parte superficial de uma verdadeira revolução mental. Procuramos novas leituras muito para além do Plano Nacional de Leitura selecionado pelo sistema, que nos preencham o nosso interior que está cada vez mais ávido e insurreto.

            Queremos ouvir a música dos mais velhos deixamos de apreciar as bandas infantis estilo “Onda Choc” e “Ministars”, como era usual no meu tempo. Na minha juventude era um clássico gostar-se dos “Queen” e dos “Beatles”…Eu nesse aspeto, estava um pouco mais atrasada às ondas da minha adolescência entretinha-me a escutar com mais atenção as melodias românticas que passavam na estação pública de televisão.

            Mas em tudo o resto queria beber os ares dos novos tempos e não me deixava ficar para trás. Assim, nesse período, deixamos um pouco a submissão de lado e despertamos para o nosso lado mais rebelde e assertivo.

            Já não queremos vestir as roupas que as mães nos aconselham queremos radicalizar completamente porque julgamos, inocentemente, que temos a chave da sabedoria, que nos irá livrar de todos os males do mundo. Somos idealistas, queremos lutar contra as guerras, contra as injustiças  e as grandes causas sociais.

            Acreditamos mesmo que temos o mundo nas mãos e a nossa mente está povoada de sonhos como deve estar a cabeça de todos os adolescentes felizes. E todos os adolescentes tem o direito à felicidade, sem exceção.

            Surgem também de modo geral – hoje os jovens são muito mais precoces…-as primeiras paixões, muitas vezes ainda tão “platónicas”. Aquele rapaz “giro” que vemos todos os dias, que por vezes nos desperta a atenção. Mas, para mal dos nossos pecados, quem está “apanhadinho” por nós não é aquele que nós, secretamente, tantas vezes suspiramos, mas um dos nossos amigos de sempre que se cola a nós que nem uma lapa e se vai ajeitando. Com quem começamos a “falajar” tudo e mais alguma coisa. E por vezes, passamos de personalidades silenciosas e introspetivas a autênticas tagarelas. Não fosse o poder do amor a força mais poderosa que existe.

            E aquela imagem, um tanto ou quanto ilusória daquele “rapaz” dos nossos sonhos tende em  desaparecer e cai nas páginas do esquecimento.

            Quem é que consegue viver na “adrenalina da adolescência” de amores platónicos e impossíveis…Afinal já quase todos encontraram o seu “mais que tudo” e andam juntos e agarradinhos para quase por todo o lado… Lembrando aquela canção já bem velhinha de François Hardy[1]

“Tous les garçons e les filles de

Mon age se promènent dans la rue deux par deux

Tous les garçons et les filles de mon age

Savent bien ce que c ést qu ´etre heureux

Et les yeux dans les yeux

Et la main dans la main

Ils sont vont amoureux

Sans peur de lendemain”

            Eu confesso levei um pouco mais tempo a encontrar a minha cara metade…A bendita reciprocidade estava difícil…O problema não estava na falta de oportunidade mas o difícil encontro com o “Special one” como se tratasse num autêntica “demanda do santo graal”, dos contos medievais… Mas, uma árvore não faz a floresta, em não preocupemos com as exceções à regra.

            O sermos dois dá-nos uma força “homérica” que pensamos que somos todos heróis e heroínas do mundo de amanhã. De repente, queremos abraçar o mundo, viver todas as experiências até as mais loucas e inconfessáveis. Talvez por, isso a adolescência  traga saudades loucas, para  quase todos os jovens até   os mais “certinhos”, apagados e sem grandes histórias para contar guardam uma doce lembrança da sua adolescência.

            A adolescência é o prolongamento da alma de criança que todos guardamos dentro de nós. E não perdemos essa visão mágica do mundo, mesmo, que pelo caminho tenhamos por vezes pisado o risco das coisas proibidas.

            Mesmo quando deixamos a casa dos pais para nos aventurarmos em coisas mais sérias como o é a escolha do nosso percurso profissional e enveredamos em estudos superiores (ou não conforme o caso) ainda levamos connosco parte do nosso espírito da adolescência.

Talvez por isso, o senso comum, entende que só deixamos de ser adolescentes quando nos deparamos com choque da difícil luta pela entrada no mercado de trabalho. É aí que crescemos de repente, bruscamente, sem avisos, nem para-quedas que nos amparem no tortuoso mundo do trabalho.

As causas que vagamente sonhamos são substituídas por outras prioridades e outros objetivos muito mais concretos e definidos.

Entramos na selva da vida, onde temos que nos comportar, verdadeiramente, como adultos.

Apercebermos que a amizade é já muito mais selecionada e sem sabermos bem porquê muitos amigos vão-se perdendo pelo caminho. E é aí que nos apercebemos que a magia da vida em estado de eterna adolescência, está prestes a terminar esperando-nos as dores do mercado de trabalho.

E as amizades verdadeiras, puras, sem interesse e inocentes são substituídas  por amizades de “equipas”,  “parcerias” e “associações”, onde nos temos que encaixar à força ou então morremos no sublime esquecimento da vida.

Descobrimos, também, que o lado mágico da profissão que escolhemos tende a dissipar-se.

E são muito mais as dificuldades e o escalar de montanhas ingrímes  e escarposas  que a planura suave das areias que pisamos junto ao mar, em tempos da ociosidade das merecidas férias, que tardam em chegar.

E de repente parece que deixamos de ser pessoas para passarmos a ser apenas mais uma peça na engrenagem dum sistema mais complexo. E da  missão de conto de fadas nada tem, apenas, “tensão”,stress”  e excessiva  responsabilidade.

Longe vão os tempos da tranquilidade quando andávamos na escola e entrecortávamos o tempo entre livros e amizades. Já havia uma certa pressão, mas, nunca tão sufocante como na idade adulta. A profissão de sonho transforma-se num suplício e todos sonhamos com o fim-de-semana (que na prática esse pode corresponder a qualquer dia da semana, longe vão os tempos dos horários “certinhos”, sejam bem-vindos, horários com folgas rotativas e o sacrifício de muitas noites sem dormir.).

E se fosse só o horário louco o cerne da questão.

Tudo se complica.

Chegam as responsabilidades e o drama de mantermos as contas certas com os exíguos rendimentos dos jovens trabalhadores a iniciar o seu caminho profissional, mal dispensamos o descanso da mesada dos pais. Que já não fica nada bem continuarmos a receber…

Por outro lado, o marido/companheiro, seja qual for o caso, que já considerávamos o  amor da nossa vida da nossa bolha cor-de-rosa em que vivíamos até há bem pouco tempo começa a parecermos bem mais complicado mal surgem os problemas da vida em comum.

O tempo dos abraços e beijinhos e tudo o mais que envolve todas as típicas histórias de amor começa revelar outros contornos, tão diferentes de quando tudo era tão perfeitamente mágico que até parecia ser tão impossível…mas era a realidade.

Bem- vinda a idade dos grandes problemas a toda a hora e todo o instante e a todo o momento. Adeus a Era dos contos destinados às mulheres “fadas”.

 Quem disse que a adolescência é a idade mais problemática da vida, o que dizer então da “adultês”.

Ana Margarida Alves

 

 

 

 

 

 

           

           



[1]Todos os rapazes e raparigas da minha idade
Passeiam juntos na rua
Todos os rapazes e raparigas da minha idade
Sabem bem o que é ser feliz

E os olhos nos olhos
E as mãos nas mãos
Eles seguem apaixonados
Sem medo do amanhã”

 (tradução do francês)