Repressão sem fim à vista: a mulher afegã restringida no seu direito de saber
O planeta terra comparado com a imensidão do Universo é tão pequenino. E no século XXI com uma explosão sem precedentes das tecnologias da informação, nomeadamente, a expansão das redes sociais, uma novidade viaja pelos meios digitais em segundos. E apenas num “click”, consciente ou inconsciente num site podemos estar a mergulhar num mundo tão vasto quanto pantanoso e meio sem querer acabamos por ficar a saber tudo e mais alguma coisa, informações que oficialmente fazem parte do domínio público ou mesmo informações mais secretas e sibilinas que nos tempos de todos os segredos só estavam disponíveis para alguns e agora aparecem na janela escancarada da “internet”, sem saber bem como e porquê acessíveis a todos.
Também nos meios de acesso à informação tradicionais estão cada vez mais evoluídos e detalhados. A avidez do conhecimento em cada vez maior. As pessoas já não se contentam em aprender apenas aquele “BABA” dos tempos em que vigoravam fortes sistemas ditatoriais e as autoridades reduziam ao mínimo o direito da aprendizagem.
Hoje em dia cada vez se quer saber mais e ascender aos mais elevados estudos porque todos já compreendemos que de uma boa educação depende o futuro de todos. Os estudantes já não se contentam com as oportunidades existentes nas sua terras natal e põem os seus olhos no mundo inteiro de forma a obterem mais graduações e sapiência. Através da porta da educação os estudantes transformam-se em autênticos cidadãos do mundo.
Todavia, ainda existem países que se encontram mergulhados no obscurantismo intelectual e cultural que proíbem a população de obter o mesmo grau de conhecimentos que a elite do país.
E um dos grupos sociais que nos países mais obscurantistas sofrem mais com a exclusão do acesso à educação é aquele constituído pelas mulheres. Um dos exemplos mais gritantes é o que se passa no Afeganistão que até há bem pouco tempo foi notícia pelas piores razões.
Citando uma notícia do jornal “On-Line”, O Observador de 20/12/2022 podemos compreender que “Os talibãs proibiram as mulheres afegãs de terem acesso à educação universitária. A proibição com efeitos imediatos foi emitida a 20 de Dezembro, numa carta assinada pelo ministro do Ensino Superior em que refere que as mulheres deixam de poder frequentar a Universidade por tempo indeterminado.”
O regime Talibã ordenou a proibição da educação universitária a todos os estudantes do sexo feminino, com efeitos imediatos, esta proibição consta de uma carta oficial assinada pelo ministro do Ensino Superior Neda Mohammad Naeem que foi enviado a todas universidades públicas e privadas do Afeganistão.
António Guterres, o secretário-geral da ONU disse “estar profundamente alarmado” com a proibição. “O secretário-geral reitera que a negação não só viola a igualdade de direitos das mulheres e raparigas como terá um impacto devastador para o futuro do país”, refere Stéphane Dujarric, porta-voz de António Guterres citada pelo jornal público.
Os “Taliban” desde que assumiram o controlo do Afeganistão em Agosto do ano passado (2021) baniram as crianças e os jovens do sexo feminino de frequentarem o Ensino Primário e Secundário, mas, ainda não lhes tinha sido negado o acesso à Universidade.
Os “Taliban” já há muito que são conhecidos por terem uma mentalidade arcaica e obscurantista. Este grupo político já tinham liderado o Afeganistão entre 1996-2001 e tinham-se transformado, na época, um verdadeiro terror para a mulher. No entanto, em 2001, em sequência do atentado terrorista às Torres Gémeas nos Estados Unidos perpetrado pelo líder político Osama Bin Ladem, os USA invadem o Afeganistão onde se julgava estar escondido o terrorista e acabam por retirar do poder os Taliban.
No entanto fica registado nas páginas negras da história uma longa caminhada de tratamento violento, desigual e repressivo contra o sexo feminino.
Segundo uma notícia do jornal “Expresso” de 20/12/2022 os Taliban forçaram as mulheres e as meninas a casarem e a remeterem o sexo feminino para a mais completa invisibilidade.
Em 2021, quando regressaram ao poder vieram com pezinhos de lã, mostrando para o exterior sinais de uma mentalidade mais aberta e liberal quanto ao papel das mulheres…
Mas, afinal era só uma máscara de falsa modernidade. Pouco a pouco voltaram à antiga mentalidade repressiva opondo-se completamente a educação da mulher afegã, esquecendo depressa os valores mais humanos e liberais que dissimularam em Agosto de 2021. Fica mais que provado que era apenas uma manobra de diversão para atrair para a sua causa as graças da Comunidade Internacional.
Assim, citando, o jornal “Expresso” “…essa ideia logo caiu por terra com novas e progressivas supressões de liberdade. Até ao momento, as mulheres já perderam o direito de trabalhar na maioria dos setores. Também passam a ser obrigados a fazerem-se acompanhar com o tutor do sexo masculino para fazerem viagens de longa distância e serem obrigadas a cobrirem o rosto em público”.
Em Novembro, as mulheres afegãs foram impedidas de entrarem em Parques de Diversões em Cabul, depois do Governo ter anunciado restrições do acesso da mulher ao espaço público.
No século XXI onde a importância da educação é, assim, fundamental, para todas as crianças desde tenra idade no intuito de pouco a pouco se ir construindo cidadãos conscientes e informados. Para além da família, a escola é o segundo veículo essencial da formação de consciências humanas.
A importância da escolarização das crianças e dos jovens vai muito para além do “BABA”. As longas jornadas que as crianças e os jovens passam nas escolas longe das suas famílias de origem vão adquirindo conhecimentos que muitas vezes não são visíveis nas pautas escolares e nas tabelas classificativas porque a escola mais que nos dar uns tópicos sobre o que é basilar atua sobre o nosso subconsciente e quase sem ser percetível a olho nu age muito para além do que é visível por todos. Afinal, o que é retido pela criança e penetra na sua mente não se consegue espelhar no seu rosto mais “rosadinho” ou mais “borbulhento”.
A escola mais que ensinar a ler e a escrever é um dos veículos mais poderosos de formação de consciências. Desperta o ser humano para sonho e para ambição e dá-lhe pistas sobre o lugar do ser humano no universo. Citando Einstein “Uma mente que se abre a uma nova ideia jamais volta ao seu tamanho original”.
E a Humanidade já há muitos séculos que despertou para a realidade do poder e a importância da Educação Escolar que levam crianças de realidades sócio-culturais e geográficas mais desfavorecidas a fazerem autênticas maratonas para poderem estudar. Enquanto aos meninos das cidades, nos países civilizados, basta um estalar de dedos para terem um caderno e um lápis e os papás os deixarem de automóvel à porta da escola. Em outras realidades mundiais o gosto pelo saber representa autênticos sacrifícios, por parte das crianças, quase inenarráveis.
De acordo com a Unesco o maior motivo de abandono escolar não é tanto a repressão política, como no caso das meninas Afegãs, mas, sim as dificuldades de aceder à escola. O desejo de estudar é mais forte que todas as adversidades.
Na verdade, muitas crianças e adolescentes de diversos países levam dezenas de quilómetros para conseguirem chegar à escola e, muitas vezes, têm que fazer esse percurso a pé.
Num “site” de curiosidades sobre esta temática[1], encontramos vários exemplos deste drama:
- Zanskar, Himalaia Indiano – Trajeto de longas horas dentro de geleiras e rios congelados para crianças chegaram a um externato local
- Rio Negro, Colômbia – Os estudantes, praticamente, “voam” através de quase meio quilómetro de cabos de aço a uma altura de 800 metros sobre o Rio Negro
- Índia – Algures numa escola Indiana as crianças precisam de andar horas e atravessar uma ponte que é sustentada por raízes de árvores antigas para chegarem às escolas.
De todo o mundo surgem notícias dos longos quilómetros que as crianças têm de percorrer a pé para terem a oportunidade de aprender.
Também muitas vezes apercebemos-nos pela televisão que em África muitas crianças têm que estudar ao ar livre porque não têm “escolas físicas”. As crianças reúnem-se, sentadas no chão, em volta da sombra das árvores com uma folha na mão e uma caneta enquanto vão escutando o professor/a….
Muitos são os exemplos de crianças pelo mundo inteiro que o gosto pelo estudo significa uma verdadeira luta. Um dos casos mais emblemáticos é sobejamente conhecido pelo mundo inteiro: Malala[2].
Assim, Malala Yousafzai é uma ativista paquistanesa que fez uma longo caminho de luta na área da Educação. É conhecida sobretudo pela defesa dos Direitos Humanos das mulheres e o acesso à Educação na sua região natal do vale Swat na província Kyber Pakhtunkhwar no nordeste do Paquistão onde os talibã locais impedem as jovens de frequentarem as escolas. Desde então o ativismo de Malala tornou-se famoso a nível mundial.
A sua família gere uma cadeia de escolas na região. No ínicio de 2009 quando tinha 11-12 anos de idade, Malala escreveu para a BBC um “blog” sob um pseudónimo, na qual contava o seu quotidiano durante a ocupação talibã e as tentativas de controlar o vale e escrevia também sobre os seus pontos de vista sobre a promoção da educação para os jovens do vale Swat.
No verão seguinte, o jornal “New York Times” publicou um documentário sobre o quotidiano de Malala à medida que o exército Paquistanês intervinha na região.
Um testemunho semelhante ao que Anne Frank fez quando esteve barricada no sótão numa casa na Holanda durante a ocupação Nazi.
Esta luta de Malala pela Educação, especialmente de meninas, ia tendo um desfecho trágico. Na tarde de 9 de Outubro de 2012, Malala sofreu um atentado quando entrava num autocarro escolar na província de Kyber Pakhtunkhwa. Este atentado veio ainda sensibilizar ainda mais a Comunidade Internacional para a sua história.
O enviado especial das Nações Unidas para a Educação Global Gordon Brown lançou uma petição da ONU em nome de Malala com o “slogan” I AM MALALA (eu sou Malala), exigindo que todas as crianças do mundo estivessem inscritas na escola até ao fim de 2015, petição que impulsionou a retificação da lei do direito à Educação do Paquistão.
Em 12 de Julho de 2013 Malala discursou na sede da organização das Nações Unidas, pedindo acesso universal à Educação. Malala também foi agraciada com o Prémio Sakarov e em 10 de Outubro de 2014 foi-lhe atribuída uma das mais altas e distinções Internacionais – O Prémio Nobel da Paz. Recebeu o prémio apenas com 17 anos.
A sua luta fundamental é contra a repressão das crianças e jovens e pelo seu direito à Educação.
Assim, tendo-se dado nos últimos séculos a universalização da Educação como um direito de todos como é que ainda regimes tão obscurantistas que reprimem a mulher a todos os direitos inclusive o direito à formação de consciência, de opinião, direito à liberdade, de ação de circulação…
Mesmo que nos queiram fazer acreditar o contrário a “talibanização” da sociedade no Afeganistão é um claro retrocesso de mentalidades que “info-excluem” a mulher negando-lhe o direito de ser culta, informada e esclarecida do seu papel no mundo e na sociedade que é de certeza muito maior do que as autoridades “Taliban” lhe fazem crer.
É caso para terminar citando a escritora Simone Beauvoir “Enquanto tiver que lutar para se converter num ser humano, (a mulher) não poderá ser criadora”. E assim quem diz criadora/escritora poderá agregar também todos os papéis sociais que lhe são negados logo à nascença pelo facto de ser mulher.
Falamos de países mais obscurantistas nos direitos da mulher, como foi o caso do Afeganistão e a repressão Taliban, no entanto, em muitos países civilizados, no qual se inclui Portugal, existem verdadeiros atentados direito à Educação e à emancipação feminina. Elas até estudam e se cultivam mas no final o seu esforço valeu-lhes muito pouco!...
Ana Margarida Alves
[1] www.muitofixe.pt/os-caminhos-mais-perigosos-difíceis-crianças-tem-percorrer-para-ir-a-escola
[2] Fonte: Wikipédia - Malala