Sempre à pensar no Amanhã...

15-07-2023 13:07

 

 

Com o calor `apertar sinal que  o verão já se faz sentir em toda  a sua plenitude muitas pessoas começam a planear as suas férias e começam a sonhar pelo menos  uma semana fora do lar habitual e rumar às praias, aos Parques Naturais e mesmo (para uma fatia mais reduzida)  rumar ao estrangeiro…

               Começa a correria ao fato de banho da moda, à toalha e ao calção e aos brinquedos, especialmente, para brincar na areia.

               Porém da outra margem dos sonhos com sabor a verão, ainda há muito bom português e os seus filhos para quem não há muito momentos de descontração para além do curto passeio à roda da cidade…andando à roda, à roda e não partem para lugar nenhum. Limitam-se a uma vida circular à volta quase de si mesmo e da sua família.

               Os motivos para tamanha discrepância não são novidade para ninguém…os curtos salários que não há maneira de esticarem à medida dos seus sonhos, o desemprego de longa duração que nunca mais tende a acabar que se reflete numa alimentação frugal e uma vida cheia de restrições. Quanto mais dispersar para além do seu habitual pequeno mundo…

               E quando chega o verão e a escola acaba vêm-se loucos para entreter as crianças que muitas vezes vivem todos juntos num espaço reduzido.

               A pedagogia está sempre alertar a importância de proporcionar às crianças atividades pedagógicas, mas, quando num lar bate à porta a pobreza não há condições para tanta pedagogia…E que na maior parte das vezes as atividades das crianças pouco têm de gratuito…

               Também é verdade que para muitas dessas crianças o verão é o tempo de visitar os avós e substitui-se a pedagogia por muito afeto, conversas e brincadeiras diferentes do habitual.

               Segundo um estudo do Instituto Nacional de Estatísticas – Condições de vida das crianças – módulos Saúde e privação material das crianças e famílias separadas ou reconstituídas referente aos dados de 2021, 10% das crianças com menos de 16 anos pertencem a agregados familiares em privação material e social (os resultados obtidos para a população em geral 13,6%).

               Os resultados deste inquérito deixam constatar que as dificuldades económicas impedem que:

  • 15,5% crianças tenham possibilidade de passar férias fora de casa, pelo menos uma semana por ano.
  • 9,7% das crianças possam participar regularmente  numa atividade extra-curricular ou de lazer
  • 6,6% possam participar em viagens e atividades escolares não gratuitas
  • 4,3% tenham possibilidade de substituir roupa usada por alguma nova
  • 1,6% possam celebrar ocasiões especiais
  • 1,5% possam convidar amigos para brincar ou para comer

 

O inquérito revela que essas famílias mal conseguem manter as contas em dia quanto mais partir para longe do ninho para gozarem as merecidas férias.

               A análise individual dos sete itens de privação material e social referente  ao nível familiar, revela que as proporções de pessoas que vivem em famílias em privação tende a ser inferior às proporções de crianças com menos de 16 anos que vivem em famílias em privação, excepto para o item “Atraso, motivado por dificuldades económicas, em algum dos pagamentos regulares relativos a rendas, prestações de crédito ou despesas correntes da residência principal, ou outras despesas não relacionadas com a residência principal”.

Assim no inquérito às condições de vida e rendimento em 2021 à população ilustra especialmente sete itens de privação material e social aferidos ao nível do agregado para a população total e para a população com menores de 16 anos que vivem em famílias em privação em 2021.

  • 37,9% do total de agregados analisados não têm possibilidade de substituição do mobiliário e 33,6% dos agregados com crianças menores de 16 anos também não.
  • 36,6% do total de agregados analisados não têm capacidade para pagar uma semana de férias por ano suportando as despesas do alojamento e 27,7% dos agregados com crianças com menos de 16 anos também não.
  • 31,1% do total dos agregados analisados  não têm possibilidade para assegurar o pagamento imediato de uma despesa inesperada próxima…da linha da pobreza e 29,5% dos agregados com crianças com menos de 16 anos também não.
  • 16, 4% do total dos agregados analisados não têm possibilidade financeira para manterem a casa aquecida e 10,1% dos agregados com crianças com menos de 16 anos também não.
  • 6,9% do total dos agregados analisados revelam um atraso por motivos económicos em alguns pagamentos regulares relativos a rendas e prestações e 9,3% em agregados de crianças com menos de 16 anos também não.
  • 4,9% do total dos agregados analisados sem disponibilidade de automóvel (ligeiro ou misto) por dificuldades económicas e 3,5% em agregados com crianças menores de 16 anos também sem disponibilidade.
  • 2,4% do total dos agregados analisados sem capacidade financeira para terem um a refeição de carne ou peixe (ou equivalente vegetariano) de dois em dois dias e 1, 4% de agregados com crianças com menos de 16 anos também sem essa capacidade.

Assim revela-se óbvio que as famílias mais carenciadas têm sempre uma espada na cabeça e nem sequer podem dispersar nas férias.

               Provavelmente quando muitos pensam nas férias que já estão a começar e sonham com os passeios à beira-mar outras famílias mais carenciadas pensam já como suprir as necessidades escolares do novo ano letivo que se avizinha. Provavelmente, vão à procura  dos livros ao Bancos de livros escolares usados. Mas, existe uma panóplia sem fim de despesas, como os lápis, as canetas, os cadernos, as réguas, os compassos eu sei lá que mais que é preciso assegurar. E já para não falar nas despesas sem fim do Ensino Superior…

               Assim as famílias mais carenciadas se querem aguentar na selva da vida não podem viver plenamente o presente como se não houvesse amanhã. Muito pelo contrário, tem que estar sempre a pensar no dia de amanhã. Na responsabilidade que vem a seguir, na despesa que ficou para trás e vai-se pagar amanhã, no caderno de atividades que os filhos precisam para amanhã

               Sempre com os olhos no amanhã. No amanhã que trará talvez a bonança que irá apaziguar os dias difíceis de tanto sufoco. No amanhã dos filhos que sonham ganhar asas e ter um futuro melhor. Sempre à espera do Amanhã…

Ana Margarida Alves

 

 

 

Bibliografia consultada:

Condições de vida das crianças: módulos “Saúde e Privação Material das Crianças” e “Famílias separadas ou reconstituídas” RENDIMENTO E CONDIÇÕES DE VIDA 2021, do Instituto Nacional de Estatísticas disponibilizado “on-line”, acedido em 13/07/2023.

 

 

 

Nota: O Inquérito às Condições de Vida e Rendimento das Famílias (EU-SILC) é realizado em Portugal desde 2004, até 2020 no quadro de legislação comunitária específica (Regulamento nº 1177/2003), que estabelecia um sistema comunitário harmonizado de produção de estatísticas sobre a pobreza, privação e exclusão social. A partir de 2021, o inquérito é realizado de acordo com regulamentação europeia específica e em conformidade com o Regulamento (UE) 2019/1700 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de outubro de 2019.(…) Em 2021, foram implementados pela primeira vez o módulo regular trienal sobre “Saúde e privação material das crianças” e o módulo ad hoc sobre “Condições de vida e situação das crianças que vivem em famílias separadas ou reconstituídas”. Em 2021, o inquérito do INE dirigiu-se a 16 478 famílias, das quais 10 973 com resposta completa (com recolha de dados sobre 26 822 pessoas; 23 730 com 16 e mais anos). Os dados do módulo “Saúde e privação material das crianças” respeitam às pessoas com menos de 16 anos no final de 2020, residentes em 3 092 agregados, e foram obtidos através de entrevistas proxy aos representantes dos agregados domésticos privados. Os dados do módulo “Condições de vida e situação das crianças que vivem em famílias separadas ou reconstituídas” apresentados no Press release do INE consultado respeitam às pessoas com 16 ou mais anos no final de 2020.