Solidão: condição ou opção?

27-03-2023 13:22

 

 

“A solidão mostra o original, a beleza ousada e surpreendente, a poesia. Mas a solidão também mostra o avesso, o desproporcionado, o absurdo…”

Thomas Mann

 

 

 

 

 

“1 em cada 5 pessoas sente que não tem com quem contar. Este é um número impressionante que nos chega do estudo Worldpoll Gallup 2022. Segundo dados da Comissão Europeia, em 2020, 21,9% dos portugueses admitiram sentir-se sozinhos. Uma subida de 15,3 pontos percentuais face ao valor de 2016” estes dados fizeram parte de um anúncio de Natal da empresa de telecomunicações “NOS”.

 

 

            A solidão é um fenómeno que tende afetar sobretudo a terceira idade que acontece na maioria das vezes quando se dá a irremediável separação trazida pela lei da inevitabilidade da morte do seu companheiro de vida.

            Todavia, nas sociedades modernas em que as pessoas vivem quase todas no seu próprio casulo tendem-se a fechar em si mesmas e a não se interligarem com as pessoas mais próximas e a sua rede social tende a ser reduzida aos amigos de sempre que por vezes já vêm do tempo do Jardim de Infância. Até porque o hábito de falar com desconhecidos foi-se desenraizando dos hábitos sociais. O clássico bom dia a todos que se cruzam nos nossos caminhos já quase só se verifica nas aldeias.

            Também há quem aponte o domínio das redes sociais e o acesso à internet nas nossas vidas como fator que influência o problema da vida mais solitária.

            Já ninguém fala com ninguém para pedir uma informação.

            Quando queremos saber uma indicação, perguntamos ao “Dr. Google”.

            Quando queremos saber uma direção, perguntamos ao “Dr. Google.”

            O “dr. Google” tornou-se o nosso melhor amigo…

            Em suma somos cada vez mais independentes e, por consequência, solitários.

            Muitas podem ser as causas das sociedades contemporâneas ser tendencialmente mais  viradas para  si mesmo e desconectadas do mundo em redor.

            A solidão[1] parece ter-se tornado, particularmente, prevalente nos tempos modernos. No começo do século XX as famílias eram tipicamente maiores e mais estáveis, os divórcios eram raros e poucas pessoas viviam sós.

            Hoje há uma tendência de inversão desses valores: cerco de um quarto da população dos estados Unidos viviam sozinhas em 1998. Em 1995, 24 milhões de Americanos viviam sozinhos.

            Um Estudo de 2006 da Revista American Sociological Review descobriu que os Americanos tem em média dois amigos próximos com quem trocarem confidências. A percentagem de pessoas que declaram que não tem amigos confidentes cresceu de 10 para quase 25% e 19% adicionais disseram ter somente um único amigo confidente (geralmente o cônjuge) aumentado o sério risco de solidão no caso do fim do relacionamento.

 

            Em termos filosóficos, a Escola existencialista[2] vê a solidão como a essência do ser humano. Cada pessoa vem ao mundo sozinha, atravessa a vida como um ser separado e morre sozinho.

 

            Alguns filósofos existencialistas como Jean Paul Sartre acreditam numa solidão epistémica, onde a solidão é parte fundamental das condições por causa do paradoxo entre o desejo do homem encontrar significado no isolamento e o vazio do  Universo.

            Porém, outros existencialistas já pensam o oposto, os indivíduos precisam-se de se envolver ativamente com os outros e formar o universo na medida que se comunicam e criam e a realidade é meramente um sentimento de estar fora do processo.

 

            A solidão[3] é “uma experiência subjetiva emocional intensa e negativa que resulta da percepção de que o número ou a qualidade que nós temos não nos chegam.”, segundo Maria Luísa Lima, professora catedrática de Psicologia social no ISCTE (Instituto Universitário de Lisboa) e Investigadora no centro de Investigação e Intervenção Social.

            “As pessoas sentem que têm poucas pessoas em quem possam confiar assuntos íntimos, desabafar problemas pessoais e delicados ou sentem que tem poucos amigos”.

            Embora estejam relacionados, a solidão e o isolamento são fenómenos diferentes. Uma definição utilizada por Ricardo Moreira Rodrigues no estudo “Solidão, um fator de risco” publicada na Revista portuguesa de Medicina Geral e familiar faz essa distinção.

            “O indivíduo  que se sente sozinho perceciona as relações sociais como insuficientes ou de baixa qualidade tendo em conta as suas preferências e envolvimento social.”.

                “No entanto, embora existam pessoas que têm preferência por passar mais tempo sozinhas e ter uma rede social mais reduzida (isolamento ativo) não significa que as pessoas se  sintam sozinhas.”

               “O estado de solidão é assim uma discrepância entre as preferências pessoais de envolvimento social e a rede social que indivíduo possui (isolamento passivo).”

 

            Porém, segundo a professora Maria Luísa Lima, “A solidão é um sinal de alarme do nosso organismo de que as nossas necessidades sociais não estão satisfeitas e portanto deviam fazer qualquer para acabar com esse sentimento de solidão.”.

            Para além das estratégias habituais, com os “snacks sociais”, isto é, coisas que nos matam a fome mas não são uma refeição:

  • Visualizar fotografias em que estamos com outras pessoas;
  • Rever amizades antigas
  • Família nuclear
  • Estabelecer laços sociais (grupos de teatro, música, dança, caminhadas, voluntariado)

A autora do livro “Nós e os outros: o poder dos laços sociais” fala também em Prescrição Social. A ideia surgiu no Reino Unido como estratégia de lidar  com a solidão e com outros factores sociais que afetam a saúde através dos quais os médicos dão respostas não médicas com recurso à comunidade (organização, Instituto, Grupo).

            Os médicos encaminham as pessoas para um assistente social que fala com  a pessoas em causa  e tenta perceber quais são os seus interesses e em função dos seus interesses as pessoas são encaminhadas a fazer parte de uma associação ou coletividade que tenha a ver com os seus interesses.

            Em Portugal também foi implementada a Prescrição Social na Unidade de Saúde, na Universidade de Saúde Familiar da Baixa, em Lisboa.

            Segundo o jornal Público, a solidão duplicou na União Europeia devido ao Covid-19 e Portugal revela a sexta maior subida

            “Houve um quadruplicar da solidão entre os jovens entre os 18-35 anos em comparação com 2016 e um em cada quatro cidadão da União Europeia sentiu-se sozinho durante os primeiros meses da pandemia” informou a  Comissão europeia.

 

Alguns dados mundiais sobre a solidão

 

Na Grã-bretanha existe um grave problema com a solidão. Já que 9 milhões de pessoas dizem viver permanentemente ou frequentemente sozinhos de um universo populacional de 65 milhões.

Uma realidade que levou esse país a criar em 2018 o Ministério da Solidão. A Comissão Jo Cox, liderada por uam  deputada britânica com o mesmo nome teve a ideia. E em 2018 surgiu assim o Ministério da solidão para tratar desse flagelo em Inglaterra.

A solidão também afeta muito os americanos e não é só um fenómeno que afeta os mais velhos.

Um estudo do Yougov America descobriu que a geração dos Millenials (geração   das pessoas nascidas desde o início na dos anos 80 até ao fim do século XX), também conhecida como a geração da Internet, se sentem mais sozinhos do que as outras gerações. Os Millenials também são  mais propensos em afirmar do que a gerações anteriores que não têm conhecidos no grupo de amizades (25%), não tem nenhum amigo 22%, nenhum amigo próximo (27%) e nenhum melhor amigo (30%)

No entanto, a maioria (70%) dos “millenials” responde que tem pelo menos um melhor amigo e 49% dizem que têm de um 1 a 4 amigos próximos

Todavia a pesquisa não examinou porque é que eles se sentem mais sozinhos que as gerações anteriores. No entanto estudos recentes apontam que as redes sociais e internet influenciam esse problema.

Estudos da Universidade da Pensilvânia encontraram uma ligação entre o uso das redes sociais e o decréscimo do bem estar.

A especialista Melissa G. Hunt afirma que é o fim da linha. Usar menos as redes sociais significa a regressão da depressão e solidão.

 

 

Como a solidão ocupa a saúde física e mental

A solidão[4] e o isolamento são capazes de impulsionar uma série de problemas físicos  e mentais, ao mesmo tempo que pode ser consequências deles mesmo.

A solidão associa-se a psicopatologias como a ansiedade, depressão, “stress”, mas, em nível física à hipertensão e problemas cardiovasculares, afirma a Psicóloga Ana Valente.

Uma pessoa que liga, constantemente, com o sentimento de solidão pode apresentar alterações de sono e apetite. A pessoa pode chorar, ter maior uma maior desconcentração, sente tristeza, pode ter pensamentos intrusivos e pensar que não é suficientemente interessante para os outros., afirma também a psicóloga Marta Calado.

Em 2019 um estudo publicado pela PLOS one revela que o isolamento social está interligado a uma maior propensão da inatividade física, má alimentação e uso de medicamentos psicotrópicos fatores que podem desencadear problemas de saúde como a obesidade e depressão.

Um estudo publicado pela BMC Public Health dá conta que as pessoas mais velhas ficam mais vulneráveis com o isolamento social e a solidão.

Cientistas da Universidade de McGill no Canadá revela que há uma espécie de assinatura nos cérebros das pessoas solitárias, espelhando-se na variação de volume de diferentes regiões dos cérebro, bem como a forma que essas regiões comunicam entre si nas redes-cerebrais.

Um estudo publicado na Nature Commmunications  refere  que as alterações cerebrais das pessoas solitárias está centrado naquilo que se chama rede-padrão “um conjunto de regiões cerebrais  envolvidas em pensamentos internos como recordar, fazer projeções ou pensar em outras pessoas.

“Os cientistas descobriram que as redes-padrão de pessoas solitárias era mais fortemente ligadas e, surpreendentemente, o seu volume de massa cinzenta nas regiões da rede-padrão era maior. No entanto, as pessoas solitárias continuam à mercê de um declínio cognitivo mais precoce e o aparecimento mais rápido d e sinais de demência explica  o Science Daily

No artigo da “CNN Brasil” refere-se ainda que apesar de ser uma associação já várias vezes feita pela ciência, a verdade é que ainda “é incerto” se os efeitos do isolamento social ou da solidão “são independentes ou se a solidão representa o caminho emocional pelo qual o isolamento social prejudica a saúde”, segundo um estudo publicado na Proceedings of the National Academy of Sciences.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

           

 



[1] Wikipédia – entrada solidão

[2] Wikipédia – entrada solidão

[3] Jornal On-line – Gerador- 27.02.2023 – Solidão: a pandemia silenciosa

[4] Fonte: CNN Brasil: artigo como  a solidão pode fazer mal à saúde física e mental -  2/05/2022