Televisão e o Desenvolvimento

11-12-2012 16:18

Dossiê: A importância do acesso aos media para o desenvolvimento infantil

 

 

A cultura da infância constroí-se aprendedo, brincando e sonhando...

 

 

Partindo de alguns conceitos trazidos à berlinda pela a revista motrivivência Ano XVI, n.º 23, p. 119-141, Dezembro de 2004 de Mariana Mendonça Lisboa e Gio Vani de Lorenzi Pires  onde é abordada a temática “A Televisão, representação social e cultura de movimento tecendo uma reflexão de uma trama no contexto da infância.” podemos inferir que esta se tornou um dos pontos fortes da construção da personalidade das crianças.

 

A visão do mundo faz a diferença entre as pessoas. O que nos torna diferentes...O que nos influencia...o que nos marca...para além do nosso contexto quotidiano, passa muito pela cultura multimédia que nos chega através dos meios de comunicação social.

 

A organização e compreensão da vida quatidiana na atualidade vem sendo cada vez mais influenciada pelos meios de comunicação de massa, seja por instituir rituais domésticos ou por produzir realidades. As pessoas experienciam uma realidade onde a presença da televisão concorre para a construção de perceções e representações do mundo à sua volta.  Desde pequenas as crianças têm contato com inúmeras imagens e  sons que constroem a narrativa do discurso mediático acerca dos seus conhecimentos.

 

A televisão apoiada na tríade da informação, entretenimento e publicidade antes de ser uma instância neutra perante a realidade vem produzindo inúmeras representações sociais sobre os mais diferentes assuntos que acabam por ser culturalmente compartilhadas.

 

De maneira nem sempre muito evidente  (como através das mensagens subliminares, a televisão acaba por difundir percepção da realidade de acordo com os seus interesses  e necessidades através dos produtos culturais que veicula (programas, filmes, desenhos animados -pesonagens que criam identificação no mundo das crianças- a televisão acaba assim por difundir perceção da realidade de acordo com os seus interesses e necessidades.

 

Neste caso específico, os autores estudaram a influência das imagens transmitidas pela televisão em relação à pratica desportiva. Como a televisão influencia a construção social e cultural das crianças, e altera os seus hábitos e modos de estar...contribundo para a sua formação pessoal.

 

Segundo os autores Mariana Mendonça Lisboa e Gio Vani de Lorenzi Pires, para entrarmos em discussões aprofundadas sobre a infância e as suas possíveis conceções compartilhamos do pensamento que não existe uma criança universal, mas sim constituída e inserida sócio-historicamente nas diferentes realidades culturais.

 

Considera-se que a criança é portadora de uma cultura própria dotada de vida, de alegria, qual é defenida nos grupos infantis, nos grupos nas brincadeiras. A criança antes de tudo é um ser humano dotado de inteligência, criatividade  e  emoção que se encontra no mundo para desvendá-lo através de sonhos e fantasias. Um ser que  joga, deseja, sofre e desencanta-se.

 

Desta forma é possível falarmos duma cultura infantil formada por elementos culturais quase exclusivamente do universo das crianças  que é caraterizada por uma natureza lúdica exposta por Brougére, (1995-1998), que está em estreita ligação com o jogo, ou seja apresenta-se como uma cultura preexistente que define o jogo e o torna  possível enquanto atividade cultural e que permite à criança adquirir estruturas e assimilá-las de forma singular a  cada nova  experiência lúdica. Esta cultura é constituída de brincadeiras conhecidas e disponíveis (individuais, tradicionais, universais, geracionais). Costumes lúdicos e um ambiente composto de objetos, particularmente atrativos, brinquedos...

 

A cultura lúdica é o produto das interações e relações sociais que tem na sua raíz na interação precoce do bebé com a mãe. Isto quer  dizer que essa cultura não é algo natural da criança ou uma experiência transferível para o indivíduo, mas, é a partir da sua condição de sujeito que interage com o mundo e com os outros que ela é produzida e a criança configura-se como construtora.

 

Mesmo apresentando um ritmo específico, caraterísticas peculiares e uma certa autonomia, a cultura lúdica não se encontra isolada, mas, em estreita relação com a  cultura global (aqui pode-se pensar na cultura televisiva de sociedades específicas). Assim, também, não é possivel falarmos de cultura lúdica universal, mesmo tendo elementos em comum, ela diversifica-se conforme o seu meio social, económico, género, idade, entre outras formas.

 

Contudo caraterística marcante e tendencialmente global da cultura lúdica contemporânea é o consumo de produtos da indústria cultural, disponibilizados, massivamente, principalmente pela tv, no momento, em que o público infantil torna-se recetor. O caminho que leva ao aparecimento do consumidor infantil e, consequentemente, ao surgimento de produções televisivas voltadas para esse público passa pela história do desenvolvimento do capital e da sua própria lógica  de expansão vertical, ou seja, “a unificação” do mundo sob a égide do capitalismo significou também a incorporação de homens e  mulheres do seu nascimento até à sua morte dentro dessa lógica do consumo.

 

É inegável que a televisão hoje faz parte da vida quaotidiana, trazendo inúmeras novidades para o mundo das crianças que, diferentemente, de outras gerações convivem desde muito cedo com esse meio de comunicação. O que antes a criança aprendia pela convivência na rua com os amigos da escola ou do bairro, agora vem sendo cada vez mais apreendido pela televisão que ocupa um lugar central  na sala de estar e torna-se grande companheira dessa geração.

 

Pires (2002 c) já apontou em relação ao desporto a substituição das experiências formativas pela mera vivência das manifestações culturais.

 

O papel da televisão depende de como ela se encaixa na vida particular da criança e da qualidade geral do seu quotidiano. A autora julga importante debruçarmos-nos sobre três fatores para se aprofundar a influência da televisão na vida pessoal da criança.

 

A extensão do tempo

O tipo de mediação adulta

O conteúdo da programação

 

Em suma fica clara a necessidade de se compreender a complexidade que envolve a experiência televisiva na infância, as suas possíveis influências positivas e  negativas dependem  e passam por inúmeras considerações como: o contexto da receção,mediação de pais, conteúdo dos programas, tipo d elinguagem, tempo gasto com  a televisão, qualidade geral da vida quotidiana da criança, bem como outros elementos sócio-económico e culturais que fazem a televisão e da infância algo não isolado do mundo.

 

Presente em variados gêneros e programas, especialmente, aqueles onde encontramos grande audiência infantil, essas imagens e informação sobre conteúdos e temáticas  da cultura e do movimento, podem constituir-se em representações sociais disseminadas sobre os seus conhecimentos que acabam colonizados no imaginário infantil.

 

Os media televisivos passaram na atualidade, a principal produtora de representações compartilhadas socialmente sobre os mais diversos assuntos muitos deles relacionados à cultura do movimento, esta temática analisada aqui pelos autores onde é abordada a forma como a exposição constante do conteúdo referente a certas temáticas pode influenciar a mente dos telespetadores e impelem a uma alteração de comportamentos. Os autores interelacionam este estudo sobre a prática de educação física.

 

A televisão através das imagens veiculadas forneceria para a criança  um tipo de suporte para as suas brincadeiras.

 

Outra contribuição referida nos estudos de Brougére de televisão é  a possibilidade de que  a televisão oferece às crianças de diferentes localidades compartilharem referências comuns, suporte da comunicação numa realidade que fragmenta contextos culturais. Assim através desse conjunto de informação (principalmente oriundos de desenhos animados) é possível a integração de crianças numa brincadeira devido a essa cultura comum.

 

Assim, a partir do advento da espetacularização do desporto pelos meios de Comunicação Social, esta prática, passa pela experimentação do fenómeno linguístico da polissemia (Betti,1998, p.83) que decorre de uma ampliação do seu conceito tradicional ou restrito, passando a ser denominado como desporto um conjunto mais amplo de atividades da cultura do movimento incluíndo as ligadas às da melhoria da cultura física (fitness), na perspetiva estética e da saúde, as atividades de desafios ou chamados de desportos radicais  em contato com  a natureza.

 

Neste caso, a televisão, através desses conteúdos, entre desportos e brincadeiras que vão sendo veiculados pela televisão contribui para a construção das representações partilhadas e a construção duma cultura coletiva (televisiva) de saúde e bem estar. E, este exemplo específico, pode alargar-se a um conjunto de variadíssimas temáticas transformando assim a televisão num foco quase “propagandístico” da construção de identidade, cultura e  saberes. Contudo a entrada na era digital e a possibiliade alargada e universal de acesso a canais de todo o mundo e das mais diversas temáticas, história, cultura, cinema, música, natureza,  dilui o papel dos media como agente impositivo de saberes passando a ser o recetor o construtor da sua própria identidade pessoal conforme os seus gostos  e interesses. Sendo a porta de passagem de uma panóplia de informação e conteúdos que pode tornar o acompanhamento parental fundamental do ponto de vista da seleção conforme os prismas culturais, educativos  e sociais de cada família ( a quantidade, a qualidade, o controlo de programas de cariz violento, acesso a pronografia...). O contato das crianças com a diversidade cultural é hoje na maioria das vezes, mediado tenologicamente pela televisão, o que muitas vezes implica com o saber

 

Podemos inferir, que através da televisão chega até nós três tipos de representações sociais a nível mundial:

O mundo do espetáculo

O mundo da informação

O mundo do consumo

Concominantemente, à globalização de matiz económica encontramos o que Ortiz chama de cultura mundializada. Através de compartilharmos uma cultura de signos e códigos identitários, as diferenças entre povos distantes não mais parecerão tão diversas assim pois há elementos de reconhecimento mútuo que os aproximam.

 

Este processo de geração de uma cultura mundializada  dá-se através de produtos que a indústria cultural fornece com bens de consumo a cada segmento social  reforçada pela descomplexificação imposta da realidade, reduzida a simples entertenimento e da segmentação da oferta de bens e serviços (Moraes,1998)

 

Nos anos 40 do século XX Adorno e Horkeimer  numa reflexão à cultura veiculada pelos media falam em “Indústria Cultural”, ou seja, programas de conteúdos culturais com  intuito de atingir um mercado abrangente e seduzir o público, onde o objetivo principal era vender conteúdos e não formar  pessoas.

 

Joan Ferrés na sua obra “Televisão e a Educação” que de uma forma detalhada, discorre sobre as chaves para compreender o meio (Ferrés, 1996), p.13, de onde seleccionamos a seguir algumas das suas caraterísticas que consideramos importantes;

 

A tv proporciona uma visão fragmentada da realidade a partir da cultura moisaico

A Televisão age como veículo e meio de consumo transformando a informação e  a si próprio em mercadoria

A televisão como mito da objetividade numa janela aberta para o mundo

 

Através da sua caraterística muito apelativa, a linguagem audiovisual tem um forte apelo junto da novas gerações – a televisão vem assumindo na atualidade a função de “produtora de saberes”, fazeres compartilhados, uma vez que a linguagem é  a mediação privilegiada de representações sociais. Nesse sentido, torna-se necessário agora explicitarmos porque  a teoria das representações sociais pode configurar-se num conceito interessante para pensarmos a relação televisão/criança.

 

Em 1961, Serge Moacovi desenvolve e publica a sua pesquisa sobre a teoria das representações sociais na obra denominada Representação social e a psicanálise (Moscovici, 1978) partindo do conceito de representações coletivas de Durkheim. Por considerá-lo muito abrangente podendo referir-se aos diferentes modos de organização social do pensamento, deixando-os indefenidos.

 De forma simplificada, as representações sociais seriam “tijolaças de saber” (Jovchlovich apud Pires, 200 2 b, p 30) ou seja, pacotes do conhecimento, costumes, tradições, memórias que encontramos em todas as sociedades e elementos extremamente importantes para a compreensão do povo, ou ainda, modos de conhecimento do senso comum, compartilhados socialmente que surgem e legitimam  no quotidiano.

 

 

No fundo como é que a televisão influencia a mente das crianças e as transforma? Serão um pedaço de nós, família, escola e sociedade ou mentes avídas, incontroláveis, despertas para um mundo mais longínquo e infinito...onde a comunição multimédia (televisão, internet... as vai globalizando nos seus hábitos, costumes e valores  e as transformando  em cidadãs do mundo...

 

Nesse sentido não será despiciendo tomar também algumas notas dum estudo de Jacinto Sarmento, do Instituto de Estudos da Criança da Universidade do Minho “Imaginário Infantil  e a cultura de infância”.

 

O imaginário infantil constitui uma das mais estudadas caraterísticas das formas específicas da relação das crianças com o mundo. A investigação tem sido dominada pelas correntes teóricas da psicologia. As perspetivas predominantes são as psicanalíticas e as construtivistas. Na perspetiva de Freud o imaginário infantil corresponde à expressão do princípio do desejo  sobre o princípio da realidade, sendo o jogo símbólico uma expressão do inconsciente para além da formação da censura.

 

Apesar das diferenças essenciais entre as diversas orientações sendimentadas na história da disciplina, as perspetivas psicológicas do imaginário infantil posuem um elemento comum que aliás é inerente á própria conceção moderna da infância: o imaginário infantil é concebido como a expressão de um déficit, as crianças imaginam o mundo porque carecem dum pensamento objetivo ou porque estão imperfeitamente formados os seus laços racionais com a  realidade. Essa ideia de déficit é inerente à negatividade na definição da criança que constitui um pressuposto epistémico na construção social da infância e modernidade de séculos anteriores...

A criança não tem direito a expressar ideias e é ignorada

A criança não tem luz

Carece de Razão

Não trabalha

 

Recentemente a revisão epistemológica da disciplina tem vindo porém a contrariar as conceções do déficit que atrás assimilamos. Por exemplo, uma revisão recente dos conceitos psicanalíticos e construtivistas sobre o jogo simbólico postula que ao contrário da ideia de uma diferença radical entre jogo da criança e o jogo do adulto, por imaturidade infantil, o que existe é um princípio de transposição imaginária do real, que é comum a todas a s gerações e se exprime, por exemplo, na experiência emocional das narrativas literárias ou cinemtográficas. Tanto quanto nas brincadeiras das crianças constituindo assim uma capacidade “estritamente humana” (Harris 2002), mas que é hiperbolizado pelas crianças.

 

È portanto da ordem da diferença e não de déficit que falamos quando falamos do imaginário infantil, por relação com os adultos. Contudo, é numa vertente sociológica e antropológica que essa diferença  pode fazer mais sentido. O imaginário infantil é inerente ao processo de formação e desenvolvimento da personalidade e racionalidade de cada criança concreta , contudo é importante perspetivar essa aquisição no contexto social e cultural que proporciona as possibilidades desse processo. As condições sociais e culturais são heterogénas, mas incidem perante uma condição infantil comum: a de uma geração desprovida de condições autónomas de sobrevivância e de crescimento e que está sob o controlo da geração adulta. A condição comum da infância tem a sua dimensão simbólica  nas culturas da infância.

 

 

As crianças como construtoras de cultura...

 

Segundo Sarmento, o conceito de “culturas da infância” tem vindo a ser estabelecido consistentemente pela sociologia da infância como um elemento distintivo da categoria geracional (e.g. Corsaro, 1997; James, jenks e Proust, 1998) . Por esse conceito entende-se a capacidade das crianças em construirem de forma sistematizada modos de significação do mundo e de ação intencional que são distintivos dos modos adultos de significação e ação. As culturas da infância são tão antigas quanto a infância. Resultam do processo societal da construção da infância coevo da modernidade. As culturas de infância, sendo socialmente produzidas, constituem-se historicamente e são alteradas pelo processo histórico de recomposição das condições sociais que vivem as crianças e que regem as possibilidades das interações das crianças e que regem as possibilidades de interação das crianças  entre si e os membros da sociedade. As culturas da infância transportam marcas do tempo exprimem a sociedade nas suas contradições e nos seus estados e na sua complexidade. A relação particular que as crianças estabelecem com “linguagem através da aquisição e aprendizagem desenvolvida, predominantemente, nas Instituições educacionais (jardins de infância e escolas), tanto quanto as interações realizadas no espaço doméstico através da educação familiar.

 

Contudo, a cultura da infância não é só consolidada pelas família e  as instituições públicas  e privadas. Pelo contrário, as culturas da infância realizam-se frequentemente, por oposição, e numa atitude de contraponto crítico ao projeto educacional numa espécie  de “divisão de trabalho” entre as culturas societais (adultoconcentradas) escolarmente transmitidas e as culturas infantis (Mouritsen, 1997).

 

Formas culturais produzidas para as crianças

 

 

 

É no vai-vem entre culturas geradas e conduzidas e dirigidas pelos adultos para as crianças e as culturas construídas na interação entre as crianças que se constituem os mundos culturais na infância.

 

Nesta análise do texto de Jorge Sarmento para a comprensão da nossa temática encontramos a distinção da cultura dos adultos direccionada/estudada para crianças  e a cultura que surge espontaneamente no mundo das crianças sem o controlo e o supervisionamento dos adultos através do acesso a um mercado livre de brinquedos, jogos entre outros dispositivos.

 

Na cultura estudada pelos adultos para a idade infantil (as crianças) adquirida principalmente nas escolas, família, instituições com programas pedagógicos resultantes do seu arbítrio cultural que estabelece o recorte, seleção, incorporação, hierarquisição.

 

Paralelamente,  surge um conjunto de dispositivos culturais produzidos para as crianças com orientação de mercado configuradora de indústria cultural da infância (literatura infantil, jogos e brinquedos, cinema, bandas desenhadas, jogos de vídeo e informáticas, sites e outros dispositivos da internet...

 

O autor, no seu estudo na cultura de pares infantil, faz referência a W. Corsaro (1997) que estas formas culturais se intermeiam entre a “cultura simbólica da infância” constituída pelos media, a literatura infantil, as lendas e as figuras mitológicas e a cultura material da infância constituída por roupa, livros, ferramentas artísticas, literárias e brinquedos, com um fim mais lúdico do que pedagógico.

 

 Sarmento julga demasido restritiva fazer-se esta diferenciação  porque a cultura material vai buscar a sua base inspiradora à cultura simbólica (vejamos o exemplo, a lenda do gato das Botas inspirado numa obra literária de Charles Perrault, originou o filme e o seu sucesso e  poderá vir a originar um vasto merchandising inspirado nessa verdadeira lenda e até este gato sábio poderá vir a tornar-se num verdadeiro herói...de muitas crianças.

 

Contudo, quer a cultura oficial de cariz puramente pedagógico quer os produtos de mercado  para as crianças só se conseguem transmitir e difundir de modo bem sucedido quando se compatibilizam com os interesses das crianças.

 

Para além dessa compreensão, não se pode deixar igualmente de pôr em relevo aquilo que são as formas culturais autónomas geradas pelas crianças nas suas interações com os adultos e com a natureza e que os caraterizam não apenas como fruidoras mas como criadoras culturais.

 

As crianças para além de aprenderem elementos de uma cultura na infância também  a partilham com os seus pares. Ou seja, um conjunto estável de atividades, rotinas, artefatos, valores e ideias que as crianças produzem e partilham em interação com os seus pares (Corsaro e Eder, 1990). A cultura de pares permite às crianças apropriar reinventar e reproduzir o mundo que as rodeia numa relação de convivência que permite exorcizar medos, construir fantasias e representar cenas do quotidiano que assim funcionam como terapias para lidar com experiências negativas ao mesmo tempo se estabelecem fronteiras de inclusão/exclusão (de género,subgrupos etários, de status) que são fortemente implicados nos processos de identificação social. A interatividade é, deste modo, estratégica sendo acompanhada de um conjunto de ações tácitas que lhe dão sequência e contorno: a identificação com “os amigos”, dos companheiros de atividades, partilha de rituais, sobretudo baseadas em lendas e mitos culturais; a criação de estratégias para evitar fazer o que não querem, elaboração de gostos, contornar as regras dos adultos que criam nas crianças a sensação de “grupo”; O uso de valores comunitários e o seu investimento na perseguição de objetivos pessoais (Corsaro e Eden, 1990; Corsaro, 1997)

Além da intreratividade, a ludicidade constitui um típico desde sempre associado às culturas de infância.

 

O imaginário infantil, de acordo com  perspetiva que temos vindo a apresentar de Jacinto Sarmento, correspondende a um elemento nuclear da compreensão e significação do mundo das crianças.

 

Com efeito, a imaginação do real é fundacional do seu modo de inteligilabilidade. As crianças desenvolvem a sua imaginação sistematicamente a partir do que observam, experimentam, ouvem e interpretam da sua experiência vital, ao mesmo tempo que as suas situações que imaginam lhes permite compreender o que observam, interpretando novas situações e experiências de modo fantasista até incorporarem como experiência vivida e interpretada.

 

O jogo simbólico desempenha, deste modo,  e desde a mais tenra idade (cf. Harris, 2002) uma função nuclear na construção  de sentido de vida pelas crianças e a sua base de intermediação do jogo com os outros.

 

O jogo é a sua espécie de reinterpretação do mundo face ao conhecimento apreendido pelas crianças.

 

Articular o imaginário com o conhecimento e incorporar as culturas das infâncias na referenciação das condições e possibilidade das aprendizagens numa palavra, firmar a educação, no desenvolvimento do mundo e na construção do saber pelas crianças, assistidas pelos pais, pelos professores nessa tarefa de que são protagonistas , pode ser também o modo de construir, novos espaços educativos como é exemplo a escola, uma segunda casa das crianças, lugar onde estas crianças se constituem pela ação cultural de seres dotados de participação cidadã no espaço coletivo.

 

A televisão livre ou mediada pelos pais?

 

 

Talvez fosse melhor perguntar, o que seria dos pais sem a televisão e  a consola, elementos mágicos e milagrosos para obter a harmonia dos  mais novos. E a paz e sossego dos pais impacientes. Apesar do estímulo para outras atividades como a leitura, a audição da música, a prática desportiva, é em frente ao pequeno ecrã e junto do computador que passam a maior parte do tempo.

 

Até que ponto não estarão a ser “romanizadas”, dito de outro modo, internacionalizadas, pelo mundo televisionado e digital.

 

Devemos impor limites?O visionamento  anárquico e indisciplinado em termos de qualidade e quantidade terá consequências graves para a saúde e desenvolvimento infantil?

 

Num texto recolhido no acervo digital (disponibilizado on-line) “A criança  e a televisão” publicado na ata Pediátrica Portuguesa, 2003; 34: 101-4 de Patrícia Mendes, do serviço de pediatria do Hospital de Faro e Armando Fernandes, serviço de pediatria do Hospital de Santa Maria encontramos alguma informação que complementa a nossa temática.

 

De acordo com os dados recentes de Nielsen a criança ou o adolescente americano vê em média três horas de televisão por dia. Ou seja mais de 21 horas por semana.

 

A televisão, conjuntamente, com todos os outros dispositivos multimedia influencia o comportamento e o modo de agir infantil o que nos leva a questionar se os pai devem controlar essa aquisição de conhecimento (aculturação) ou estas são livres e autónomas quando se trata de deambular no seu mundo.

 

Anteriormente verificamos que o mundo da criança se constroi através da sua perceção da realidade e através de agentes de cultura/socialização, a família, a escola, a televisão, jornais, revistas, internet, jogos...

 

Em Portugal, um estudo realizado do 1º, 2º e 3º ciclo revelou que o tempo de visionamento televisivo diário era em média de duas horas durante a semana e 3,5 horas no fim-de-semana. Este números não inserem o tempo gasto a ver filmes de vídeo, ouvir música ou vídeos de música e a jogar jogos de vídeo ou computador e a navegar na internet.

 

Assim, a criança quando termina o ensino secundário passou cerca de três anos a ver televisão.

 

Sabe-se que a criança e o adolescente é especialmente vulnerável ás mensagens transmitidas pela televisão e que estas influenciam a sua perceção, orientação cognitiva e de personalidade e definição de valores e modelos de comportamento.

 

Patrícia Mendes e Armando Fernandes apontam vários aspetos benéficos sobre o visionamento da televisão, principalmente, quando se trata de programas educativos.

 

As  crianças expostas a modelos prosociais em programas televisivos tinham capacidade de aplicar esses comportamentos em situações da vida real, no mesmo contexto e até em certos contextos diferentes.

 

Sobre as questões de violência, estudos recentes americanos detetam cerca de 160 programas violentos por hora entre as 6 e as 9 horas da manhã e 190 entre as 14 e as 17 horas. Em média, a criança americana vê cerca de 12000 atos de violência por ano. A violência aparece de várias formas nestes filmes, nos jogos de vídeo e nas notícias.

 

Os autores acreditam que a existência de programas violentos na televisão são uma fonte importante de comportamentos agressivos que constitui uma forma privilegiada de difusão da normatividade dos comportamentos agressivos, contribui para uma dessensibilização à violência e às suas consequências e que facilita uma visão paranoide do mundo onde não é possível confiar nos outros, onde a probabilidade de se ser vitimado é elevada e onde se justifica o uso da força.

 

A legislação televisiva atenta a essa situação tomou medidas que previnem e controlam  a passagem  de programação com cenas violentas suscetíveis de  ferir a sensibilidade infantil, atente-se a redação dada pelo artigo 24º da Lei 32/2003 de 22  de Agosto (D.R. – I Série A, n.º 193 de 22 de agosto de 2003)

 

 

“Limites à Liberdade de programação”

Todos os elementos dos serviços de programas devem respeitar, no que se refere à sua apresentação e ao seu conteúdo, a dignidade da pessoa humana, os direitos fundamentais e a livre formação da personalidade das crianças e adolescentes, não devendo, em caso algum, conter pornografia em serviço de acesso não condicionado, violência gratuita ou incitar ao ódio ao racismo e à xenofobia.

 

Quaisquer outros programas suscetíveis de influírem de modo negativo na formação da personalidade das crianças ou de adolescentes, ou de afetarem públicos vulneráveis só podem ser transmitidos entre as 23 e as 6 horas e acompanhados da difusão permanente de um identificativo visual apropriado.

 

A difusão televisiva de obras que tenham sido objeto de classificação etária, para efeitos da sua distribuição cinematográfica ou videográfica, deve ser precedida da menção que lhes tiver atribuída pela entidade competente, ficando sujeita às demais exigências a que se refere o número anterior sempre que  a classificação em causa considere desaconselhável o acesso  a tais obras por menores de 16 anos.

 

Exeptuando-se do disposto nos n.ºs 2 e 3 as transformações em serviços e programas de acesso condicionado.

 

O disposto no n.º 1 é aplicável à retrasmissão de serviços e programas, designadamente por meio de rede de distribuição por cabo.”

 

 

Esta  legislação prevê que as emissões suscetíveis de influir de modo negativo na formação da personalidade das crianças e adolescentes, nomeadamente, pela exibição de imagens violentas ou chocantes devem ser precedidas da advertência expressa, acompanhadas da difusão permanente de um identificativo apropriado e ter lugar apenas em horário  subsequente ás 22 horas.

 

No entanto, essas imagens podem ser transmitidas em quaisquer serviços noticiosos, quando revestidos de importância jornalística, no cumprimento da função informativa. Assim , a televisão, mostra, frequentemente, cenas violentas e chocantes, relatando acontecimentos trágicos que fazem parte do quotidiano, algumas vezes até apresentados de formas tendenciosas e sensacionalista.

 

Os pediatras Patrícia Mendes e Armando Fernandes referem que a televisão influencia as crianças e adolescentes  em temáticas como a sexualidade. A televisão, quer na programação quer nos anúncios publicitários tem um conteúdo altamente sexualizado. Por ano, a criança é exposta a cerca de 14000 de refrerências sexuais e apenas uma parte delas fornecem informação adequada acerca de comportamentos sexuais responsáveis de anticonceção, abstinência, risco de gravidez, ou doenças sexualmente transmissíveis.

 

Outra temática que influência também o  comportamento das crianças e adolescentes é a nutrição e a obsesidade associada.

 

 “Nas últimas décadas a prevalência de obesidade entre as crianças e os adolescentes têm vindo  a aumentar enquanto a  atividade física tem vindo a diminuir”. Vários estudos apontam o uso excessivo da televisão como um dos principais fatores responsáveis pela obsesidade infantil. Os dois principais mecanismos nessa relação são a diminuição do gosto enérgico pela substituição de atividade física pela televisão e o aumento da ingestão alimentar durante a observação ou por estímulo da publicidade alimentar.

 

O tabaco e o alcool é outro aspeto a ser tido em conta.

 

Neste texto, faz-se referência análises recentes que revelam que o uso de alcool, tabaco ou drogas ilícitas estão presentes em 70% dos programas dramáticos do horário nobre em 38 de 40 filmes de grande sucesso e em metade de todos os vídeos musicais para além da programação a quantidade de anúncios referentes a tacabo ou bebidas alcoolicas é de cerca de 10% de todos os anúncios, estimando-se que o adolescente americano por cada anúncio de serviço público veja 25 a 50 de marcas de cerveja.

 

Em Portugal e desde 2001, a legislação estabelece um horário de proibição de publicidade a bebidas alccolicas em televisão e rádio em 2001. O Conselho de Saúde adoptou uma recomendação sobre o consumo de alcool por crianças e por adolescentes, pedindo aos produtores de bebidas alccolicas e aos retalhistas que comunicam de forma responsável e que reforcem as medidas auto-reguladoras na publicidade. Nesse âmbito foi celebrado “o Código de Autodisciplina na Comunicação Comercial de Bebidas Alcoolicas”. Em relação ao tabaco, a lei da publicidade proibe todas as formas de publicidade ao tabaco em todos os media, imprensa, internet, radio em todos os países membros da União Europeia.

 

Patrícia Mendes e Armando Fernandes reforçam com a sua exposição o valor da educação para os media.

 

A educação para os media pode reduzir os efeitos nefastos através de um processo de educação das crianças, dos adolescentes e dos pais á cerca dos media. São vários os estudos que mostram que a educação para os media pode tornar os mais jovens menos vulneráveis aos aspetos negativos da exposição televisiva.

 

Um público educado para os media pode questionar o conteúdo, toma-se mais exigente e criterioso nas escolhas  dos programas  que vêem e que os seus filhos vêem. Como até podem tornar-se mais seletivos e até alternativos na ocupação do seu tempo disponível, decidir ver ou não ver televisão consoante a programação.

 

São vários os países que já incorporaram a educação para os media nos seus programas curriculares escolares, nomeadamente Reino Unido, Canadá e Austrália.

Estes especialistas apesar de julgarem a televisão importante para o desenvolvimento infantil, alertam para alguns perigos, repassando alguns conselhos deixados pela Academia Americana de Pediatria:

Evitar o uso de televisão como ama eletrónica

Evitar crianças menores de dois anos vejam televisão

Limitar o tempo dispendido a ver televisão para o máximo de 1-2 horas

Encorajamento à seleção criteriosa de programas

Ensinar os filhos a capacidade de seleção e discriminação de modo a habilitá-las a ver o que lhes  desoerta interesse

Co-visionar os programas com os filhos e discutir os conteúdos vistos

Os pais devem servir de modelo para os seus filhos escolhendo criteriosamente os programas que vêem

Não colocar aparelhos de televisão no quarto

Proporcionar atividades alternativas, nomeadamente, leitura, atividades físicas, hobbies instrutivos e permitir tempo para as brincadeiras imaginativas.

 

No entanto, a televisão e as novas tecnologias,  trouxeram a abertura ao mundo dos conhecimentos,  e novas formas de olhar  - apesar de alguns efeitos  negativos  que podem ser mediados através do acompanhamento parental - o acesso ao divertimento, aos documentários,  as notícias, à música, ao cinema proporcionam um visão global sobre o universo e funcionam como uma verdadeira educação social de entertenimento para todos e o despertar para um universo de inspirações e possibilidades.

 

 

 

Texto e Pesquisa: Ana Margarida Alves