Tubarão: o lendário "perigo dos oceanos" anda a ser chacinado pelo Homem...

06-10-2022 21:01

 

     Desde a infância (ainda sou do tempo que o controlo  parental televisivo  não era tão acérrimo…) que somos atormentados pela probabilidade de sermos atacadas pelos tubarões, o seres mais terríveis que vivem no fundo dos mares, pelo menos é essa a mensagem que os filmes vindos de “Hollywood” nos transmitem. Desde o já velhinho e quase esquecido pela nova geração “Tubarão”, de 1975 realizado por Steven Spielberg que teve várias sequelas ou até podemos referir-nos ao filme “Perigo no Oceano” de 1999, onde uma médica induziu a inteligência dos tubarões, artificialmente, numa plataforma em pleno oceano, na ânsia de curar doentes com “alzheimer”. “Big mistake”!!...Os tubarões rapidamente superaram a “mestre” e destruíram toda a estrutura onde estavam presos e chacinaram quase toda a equipa.

            E se fosse só nos filmes que os tubarões são temidos, na vida real, o pavor do tubarão também é sentido pela maioria das populações mundiais. A comunicação social, de quando em quando, relata histórias de ataques mortíferos de tubarões em que raramente existem sobreviventes.

            Claro que também existem verdadeiros milagres. Como é o caso da Bethany Meilani, uma surfista americana que em 2003 sofreu um ataque dum tubarão e sobreviveu. No entanto, teve de amputar o braço esquerdo que fora completamente esfacelado pelo atacante. É uma história de superação, a jovem não se resignou e um ano depois voltou a surfar profissionalmente.

            Podemos referir-nos também há história de um menino de 8 anos que foi atacado por tubarão no Lago de “Pontchartrain”, no Estado de Lousiana, nos Estados Unidos e sobreviveu. E muitas outras histórias perfilam pelos telejornais, praticamente, todos os anos, narrando ataques de tubarões.

            Estas histórias, sobre este “lendário perigo dos oceanos”, reais e também fictícias inspiram-nos paraísos tropicais e quentes muito longe de Portugal, um país  de águas de mar mais frias e com um clima que não inspira muito a tropicalidade. Claro, temos que nos referir à excepção do Algarve em que a água é um pouco mais morna e as temperaturas amenas mantem-se quase todo o ano.

            Como pessoa informada que sou, quando mergulho no mar, de quando em quando, assaltam-me à memória essas imagens diabólicas de poder vir a ser atacada por um tubarão.

            Todavia, ao prestar um pouco de mais atenção ao mundo da ciência, deparo-me que esse medo obsessivo desse animal marinho é um puro preconceito. Segundo algumas notícias que chegaram até mim um pouco por acaso,  os tubarões, apesar de terem fama de serem, de modo geral, extremamente mortíferos e perigosos, apenas algumas espécies fazem jus a esses adjetivos negativos, nomeadamente, o tubarão branco, o tubarão-touro, o tubarão tigre e o tubarão de asas longas.

            Segundo um artigo[1]« da Revista “National Geographic” um nadador nadando no oceano possui apenas uma chance em 11, 5 milhões de ser atacado por um tubarão, visto que esses encontros são uma raridade,  segundo os dados do Museu de História Natural da Flórida, nos Estados Unidos.

            Tenho que confessar que a minha ignorância e até uma certa ingenuidade face à vida dos tubarões que vislumbro como algo muito longínquo e distante para os lados da califórnia nos Estados Unidos é gritante.

            As “gentes” das Letras são muito arredadas das realidades científicas.

            Aí a poesia, aí a literatura...que faz tanto mal à cabeça dos alunos de “Humanidades”.

            Afinal, não só em Portugal existem tubarões como é um negócio de luxo que até está a por em perigo de extinção do tubarão azul, segundo uma notícia da RTP1, que passou no “Telejornal” no dia 30/09/2022, assinada pela jornalista Daniela Santiago.

            Aguçada pela curiosidade, quis saber mais.

            Podem encontrar-se tubarões em alto-mar no continente. Contudo, é o arquipélago dos Açores  que atrai todos anos mergulhadores de todo o mundo atraídos pela fama do tubarão-azul. Nos Açores também predomina o tubarão-baleia.

            Assim, ao aprofundar mais o assunto, apercebe-nos que o feitiço se está a virar contra o feiticeiro. Não só, não há só tubarões perigosos, mas, também os humanos perseguem-nos e  caçam-nos para servir o comércio com fins alimentares, cosméticos, farmacêuticos e muitos outros fins.

            A Associação “World Wildlife Fund[2]” (WWF) vem-nos alertar para o outro lado da história muitas vezes esquecida e ignorada pela maioria das populações. Numa notícia de 8 de Abril  de 2021 inserida no site desta associação podemos ficar quase chocados não só temos tubarões como 62 das 110 espécies de tubarões e raias existentes nas águas portuguesas estão sobre ameaça de extinção devido a um comércio bastante lucrativo desta espécie marinha. E as leis  de controlo do mercados piscatório da União Europeia fazem pouco para tratar esta barbárie. As leis vão surgindo “a passo de caracol” sobre pressão das associações ambientalistas. Parece que só se preocupam com as “quotas” da pobre sardinha que cada vez se pode pescar menos. No entanto, numa outra dimensão, a mercantilização da carne de tubarão passa-lhes ao lado! Fingem que não vêm. Talvez porque o mercado seja outro, muito mais poderoso e intocável destinado ao mercado de luxo!

            No entanto, vamos agora divagar um pouco menos e cingimo-nos aos factos.

            Portugal é o terceiro país[3] da Europa com um maior número de tubarões e raias capturados para fins comerciais depois de Espanha e França, estimando-se capturar anualmente 1,5 milhões de animais. Todos juntos, os países da União Europeia têm a segunda maior taxa de captura de raias e tubarões no mundo, representando cerca de 18%.

            Existem  cerca de 1200 espécies de tubarões, raias e “chimaera” no mundo e são conhecidas por desempenhar um papel crucial no equilíbrio dos ecossistemas. Segundo, Amy Mckeever num artigo que publicou na “National Geographic” em 29/07/2021 – As formas surpreendentes como os tubarões mantém o oceano saudável”, esclarece-nos que estes predadores têm um papel vital na estabilização do ecossistema. Os cientistas alertam há vários anos que o declínio destas populações pode ser catastrófico. Como os tubarões são os principais predadores que agem de forma a manter a cadeia alimentar sob controlo.

            Segundo um artigo da “WWF”, já acima mencionada, 100 milhões de tubarões e raias são mortos todos os anos através da pesca intensiva. O que ressalta que um quarto das espécies de tubarões estão a ameaçados. A nível europeu a situação é muito pior, com um terço das espécies referidas em vias de extinção.

            A “Associação Natureza Portugal” (ANP) em associação com a “WWF” faculta-nos  um artigo de Desirée Fernandez e Ana Henriques[4] onde é explicitado que somos dos países do mundo com maiores exportações de carne de tubarão e o 6º maior em importação de carne de raia em termos de volumes transacionados.

            A designação de “Tubarão”, geralmente, não aparece nos menus ou “vitrines” de peixes sendo normalmente designado como cação referindo-se a várias espécies diferentes.

            A raia é o nome comercial usado, portanto, não deixa dúvidas, mas, é mais difícil saber que espécie está a ser consumida.

            Quando as espécies são mal identificadas e designadas por nomes genéricos pode haver facilmente o consumo de espécies ameaçadas em alguns casos protegidas por lei.

            Mas a carne de tubarão já entrou na mesa de alguns portugueses, de uma forma tão subtil, mas muito apreciada que muitos deles já não podem passar sem essa iguaria. Apesar devido ao risco de extinção estar quase, isso é mais que certo, a ser proibida pelas Leis da União Europeia e consequentemente por Portugal. Aliás, algumas espécies já o são como é o caso do tubarão-anequim.

O mesmo, já aconteceu com outras espécies que eram muito apreciadas. Portugal foi dos  primeiros países da União Europeia a proibir a caça à baleia, “outro monstro dos mares” e a cumprir as moratórias internacionais. Uma atividade que durante décadas alimentou a  economia da Madeira e dos Açores. Apesar de Portugal continuar a compreender que no Japão onde a tradição do consumo de baleia é muito arreigada se continue a permitir essa atividade.[5]

            O que nos faz pensar que o tubarão, de forma geral, também irá ser protegido a breve trecho nesse sentido…

            Porém retomando o fio à meada, podemos dizer que o tubarão entra em muitas iguarias. Podemos referir alguns pratos, a título de exemplo, surgindo com a designação cação: açorda, alhada, cação no forno ou no tacho, ou assado, jardineira de cação, caldeirada, massada, moqueca, sopa…

            Para além da sua aplicação gastronómica, segundo   um artigo de Desirée Fernandes e Ana Henriques, já acima mencionado, a carne de tubarão é utilizada para fazer milhares de alimentos.

            Existe um consumo, de certa forma, camuflado de tubarão nos mais diversos produtos para os mais diversos fins. Apesar de haver ainda informação escassa sobre esta temática a farinha de peixe pode incluir substâncias de tubarão e raia. Um estudo recente encontrou carne de tintureira e “tubarão luzidio” na sua composição. O “tubarão luzidio” é uma espécie protegida e proibida de pescar. No entanto, a sua má identificação ou mesmo pesca leva à venda e consumo destas espécies ameaçadas.

            Sobre estas farinhas de peixe é ainda de referir que os rótulos, objeto de estudo, tinham apenas a designação de “peixe do oceano”, “peixe branco” ou “isca branca”.

            A sua má identificação leva os consumidores serem induzidos em erro.

            Também os suplementos alimentares utilizam muitas substâncias de carne de tubarão ou raia. O óleo de fígado de tubarão ou raia contém substâncias biológicas ativas como vitaminas, ácidos graxos, poliinsaturados, lípidos, esteres de gliceril e esqualeno daí ser utilizado para produzir suplementos alimentares.

            Apesar de ser escassa a informação sobre estas espécies mais utilizadas para a obtenção do óleo sabe-se que os fígados de tubarões de profundidade têm níveis elevados de esqualeno e portanto podem levar ao aumento da procura dessas espécies como é o caso da “sapata-preta” e da “gata-lixa”, como são espécies altamente sensíveis com o declínio elevado dessa população são espécies protegidas que não podem ser vendidas.

            Para além da alimentação, a carne de tubarão também é muito importante na cosmética. O esqualeno é um óleo derivado do fígado de tubarão e é utilizado em cremes antienvelhecimento, loções, desodorizantes, condicionadores de cabelo, sombras para os olhos, “batons”, protetores labiais e solares. Também é vendido na forma de comprimidos e suplementos e também cremes hidratantes.

            O ácido hialurônico que pode ser extraído do humor vítreo dos olhos de tubarão, desempenha um papel essencial na hidratação de tecidos devido à sua capacidade de inchaço e a sua capacidade de absorver um grande número de moléculas de água. Tem sido utilizado em injeções articulares, cirurgias oculares, tratamentos de osteoartrite, cirurgia plástica e tratamentos de pele de grandes queimaduras e  produtos antienvelhecimento. O humor vítreo não é  a única fonte de obtenção desses ácidos. Atualmente, apesar de haver poucos dados, sabe-se que existem tubarões capturados apenas para esse fim. Uma das espécies mais utilizadas para a extração de ácido hialurônico é a tintureira.

            Também a carne de tubarão pode ser também utilizada em produtos de farmácia. A condroitina  pode ser também encontrada na cartilagem do tubarão e da raia. Embora, a sua eficácia não esteja comprovada cientificamente,  é utilizado na medicina para o tratamento da fadiga ocular, reumatismo, osteoartrite, entre outros fins.

            Em muitos outros usos são utilizadas substâncias extraídas da carne de tubarão. Estudos recentes têm demonstrado o potencial da pele e da cartilagem de tubarões e raias como matéria prima para a extração de colagénio. Esta proteína é normalmente obtida das peles e ossos suínos e bovinos. Mas, devido a restrições religiosas ou até devido ao risco de contaminação, têm-se procurado espécies de tubarão como a  tintureira e pata-roxa.

            Mas a história da perseguição do tubarão não fica por aqui. Também o tubarão-azul é alvo desta chacina. Os cientistas têm consciencializado as pessoas para esta verdade inconveniente: O tubarão-azul corre risco de extinção[6].

            O tubarão-azul é procurado para lhe cortarem as barbatanas que servem para preparar iguarias gastronómicas. Especialmente, nas culturas asiáticas, funciona um pouco como “Status Quo” e é muito apreciado nas cerimónias de casamento e batizados.

            Uma vez sem barbatanas os tubarões afundam-se e sufocam até à morte no fundo dos mares. Dado que a sua carcaça restante não rende mais de 0,20 cêntimos por quilo.

             100 milhões de tubarões são pescados todos os anos a nível mundial. Porém, o comércio da espécie “tubarão-azul” conhecido também pelo seu nome científico “Prionace Glauca” é um problema que  vai para além do pacífico devido ao risco iminente de extinção. Um dos principais protagonistas destas atrocidades é, na verdade, o continente europeu com uma média de 3500 toneladas de barbatanas exportadas todos os anos que traduz um valor comercial de 52 milhões de euros.

            Para dizer a verdade ao mergulharmos no mundo da ciência vamos mergulhando num mundo de questões pragmáticas e verdades inconvenientes, realidades duras e cruéis que nos fazem refletir que ao levarmos à boca uma garfada daquela nossa conhecida miscelânea de peixes salpicados com tomate e pimentos  a que chamamos caldeirada nunca sabemos se estamos a contribuir para a extinção de uma espécie. Ou, por outro lado, quando cuidamos das nossas rugas, porque a idade não perdoa, não estaremos a breve trecho, a ir contra as normas europeias que já estão a ser estudadas para proteger esses seres lendários em vias de extinção.

 À cautela, o melhor talvez seja ir gradualmente optando-se pela cosmética natural que tem por base as plantas.

            A ciência vem nos alertando que não haverá vida  nenhuma num planeta “B”, inexistente. E consciencializa-nos para a importância da conservação da natureza e do “habitat” natural de cada espécie.

            Mas é tão difícil levar o ser humano - repleto de estímulos e vícios, muito distintos das razões científicas – a obedecer cegamente a essas verdades comprovadas.

            Esse será  sem dúvida o verdadeiro desafio dos cientistas do século XXI…

            O planeta irá agradecer.

Ana Margarida Alves*

 

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Bibliografia de apoio:

 

*Sou licenciada em Jornalismo tendo por formação de base as Humanidades, por isso, sou leiga em questões científicas, realizei esta crónica com a cortesia de inúmeros sites informativas que vagueiam pela “internet” e que, gentilmente, nos deixam espreitar o seu saber de forma gratuita.

 

 

 



[1] Artigo da “National Geographic”,  - “Ataques de tubarão: Após dentadas mais recentes, eis as respostas” Brian Howard, 24 de Junho de 2019

[2] Organização não governamental que atua nas áreas da conservação, investigação e recuperação ambiental

[5] Artigo do “Diário de Notícias” – “Portugal admite captura de baleias em zonas tradicionais”, assinado pela Jornalista Lília Bernardes datado de 24 de Junho de 2009