Independência ou Morte: o grito do Ipiranga que revolucionou o Brasil

11-09-2022 00:11

 

“Pus o meu sonho num navio

E o navio em cima do mar;

Depois abri o meu mar com as mãos

Para o meu sonho naufragar"

                                                                                                                                                                                                      Cecília Meireles

                                                                                                    (Poetisa Brasileira)

    A sete de setembro de 2022 perfez 200 anos em que o Brasil deu o grito do Ipiranga e se tornou independente de Portugal.

    A ligação do Brasil à Península Ibérica inicia-se em 1500 quando Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil por mero acaso. Reza a história que este navegador foi incumbido pelo rei português D. Manuel I de encontrar uma nova rota para Índia descoberta em 1498. Talvez os ventos adversos talvez a força do destino, fizeram a frota portuguesa desembarcar a 22 de Abril de  1500 em Porto Seguro no Litoral da Bahia e aí se iniciou uma das ligações mais próximas e fraternas que perduram até aos dias de hoje.

    Portugal já andava à quase um século nestas façanhas das descobertas. Um país que sempre teve um espírito pioneiro foi o primeiro aventurar-se nos mares no século XIV. Naquela época, estava-se a viver momentos limite. As doenças e os conflitos sócio-económicos agitavam toda a estrutura social. A nobreza rebelava-se tentando manter o seu áureo papel. A peste negra dizimava mais de metade da população Europeia. Juntava-se a revolta dos camponeses corroídos pela fome e pelos pesados impostos que ajudavam abrilhantar a vida dos estratos superiores (já se passaram séculos e a história continua  a repetir-se até à exaustão!...).

    Começaram pelo continente Africano, chegaram até à Índia e depois quis o destino que chegassem até ao Brasil, situado no coração da américa latina.

    Neste momento Portugal e o Brasil consideram-se países irmãos. Porém, essa relação nem sempre foi assim tão linear. O nosso país chegou lá com espírito colonizador e com sede de explorar esse novo continente. Naquela época, os interesses comerciais nas outras colónias portuguesas estavam a entrar em declínio e o Brasil tornou-se  “a menina dos seus olhos”. E num ápice começaram  a impor a sua vontade.

    Associado ao movimento das descobertas que idilicamente seria tão somente para interagir com novos povos, fazer um miscenização de culturas e fazer justas trocas comerciais, está um espírito expansionista, tantas vezes pintado a traços cor-de-rosa nos manuais escolares, fazendo com que os alunos “inocentemente” se apaixonem por essa época áurea da história de Portugal  e a demarquem de todas as outras.

    Porém foi, também, nessa época que se desenvolveu um dos cenários mais negros da História de Portugal: a escravatura massiva do povo africano. Os portugueses levavam de África para o Brasil o povo de raça negra e os submetiam às condições mais desumanas. Chegavam atolados em embarcações da época e eram espalhados por todo o Brasil e iam servir para casa senhoriais e trabalhar arduamente a custo zero para as grandes explorações agrárias existentes no Brasil, principalmente para as safras de café. O produto de excelência do Brasil.

    O Brasil passou a ser a fonte de riquezas para sustentar o reino português e rechear os cofres reais que se situava no outro lado do atlântico.

    Mas, há ainda outro acontecimento que ficou no “goto” do povo Brasileiro foi o desfalque que os portugueses fizeram às minas de ouro do Brasil no reinado de João V, um rei autoritário e totalitarista. Ouro esse que veio dar um novo fulgor a Portugal. Os Brasileiros ficaram “desourados” e muito contra a sua vontade tiveram que ceder o seu metal precioso a Portugal.

    Esta relação entre Portugal e o Brasil apesar de ser uma relação colonizadora e implicitamente de subjugação, ia-se mantendo em “banho-maria” devido à distância de Portugal do seu colonizado, que eram, na verdade, muitas milhas de distância.

    E o povo brasileiro conhecido pela sua personalidade informal e com aquele jeitinho adocicado prolongado pelo sotaque que imprimem na Língua Portuguesa e que os portugueses apelidam de “português com acúcar” iam vivendo em plena liberdade com uma queda mais para alegria e para a festa do que para a tristeza.

    Todavia, um acontecimento vem inverter as ordem dos fatores. Portugal viu-se em aflição ameaçado pelas invasões francesas. O rei e a rainha e toda a corte escapuliram-se para o Brasil.

    E assim os brasileiros  viram o cerco a apertar-se e o clima que se vivia até então “patrão fora dia santo na loja” deixou de existir. E o Brasil começou  a tomar consciência o que significava ser o “o povo dominado”. Assim, na clandestinidade começam a soprar ventos de insurreição e insatisfação social.  E sucessivamente,  seguiram-se uma série de convulsões políticas, sociais e económicas que levaram o Príncipe regente, D. João a elevar o Brasil à condição de reino.

    Em 1820 com início da Revolução Liberal a família real foi obrigada a regressar a Portugal. O rei nomeia o seu filho Pedro como Príncipe regente.

    O velho sonho do rei português, D. João, em que o Brasil voltasse ao seu antigo estatuto colonial viria a tornar-se impossível. O coração do seu filho D. Pedro falou mais alto e o jovem acabou por desobedecer ao pai e acabou por dar a tão almejada independência ao povo brasileiro que se comemora oficialmente a 7 de setembro de 2022.

    Claro que tenho consciência que estou apenas um lamiré dos fatos históricos que por natureza são muito mais complexos, mas afinal eu estou apenas cronicando e não historiando.

    Denota-se assim, que a independência do Brasil foi apenas uma “espécie de divórcio amigável”  e dessa relação que se iniciou em 1500 com a conquista de Pedro Álvares Cabral ficou para sempre uma amizade e ainda hoje Portugal e o Brasil são considerados países irmãos. Estando assim unidos pelos laços diplomáticos, sociais e culturais.

    A Língua talvez seja a expressão máxima da Portugalidade que existe no Brasil. Porém os brasileiros, com o seu espírito algo rebelde e criativo introduziram novas formas de falar o português. Em primeira instância recusaram-se a falar o português certinho imposto pelos canônes do purismo Língua Portuguesa e polvilharam-no  de açúcar criando um inconfundível “sotaque”, como já referimos um pouco mais acima. Que até o povo português gosta de imitar quando quer “brincariar” um pouco.   Por outro lado, criam novas palavras e expressões que foram enriquecendo a Língua Mãe e tantas vezes confudem o povo português.  Podemos referir alguns exemplos em jeito de elucidação: “Balas” para os brasileiros são “rebuçados” para os portugueses, a “Bica” para o brasileiro é o “cafezinho” para o português. No Brasil, diz-se “Bicha” para designar a fila de espera em Portugal. O “celular” em brasileiro é o telemóvel em português, e  o “ónibus” no Brasil representa em Portugal o típico autocarro. No Brasil a palavra “canudo” designa em Portugal “palhinha”. Podemos ainda referir que “brega”  está para o brasileiro como “azeiteiro” está para o português (isso é como quem diz alguém com pouco gosto) e ainda para terminar salientamos  a palavra que o brasileiro não se cansa de dizer quando chega a vez das lágrimas “machucar” que em Portugal significa “magoar”.

    Estas diferentes expressões e os seus diferentes significados faz com o brasileiro não seja assim tão compreensível ao ouvido do português.  Por vezes, para entender um falante de brasileiro com uso de expressões mais intrincadas é preciso umas legendas ou até um tradutor, diz-se por aí.

    Para além das “palavrinhas” também as sonoridades brasileiras conquistam Portugal. Caetano Veloso, Tom Jobim, Elis Regina, Daniela Mercury, Adriana Calcanhoto e muitos mais enchem a alma portuguesa..

    Ah e as novelas brasileiras que foram rainhas em Portugal nos anos oitenta e noventa, inspirando os portugueses a inconscientemente a imitarem o brasileiro açucarado não só da linguagem como também dos costumes. Diz-se até que há muito bom português que ficou com certo jeitinho brasileiro.

    E se fosse só isso…até o samba veio para ficar. A típica dança carioca invadiu o carnaval português e os antigos desfiles de “matrafonas” tem sido substituídos pelo samba brasileiro com um toque português, contudo não dispensando o brilho e a cor e apelativo traje caraterístico desta dança. A diferença é que o carnaval português realiza-se em estação de frio e o carnaval brasileiro vive-se uma época quente. Bem com as alterações climáticas tudo é possível.

    Assim, a incursão brasileira na cultura portuguesa veio abanar os hábitos e os brandos costumes portugueses com esses ventos de um país de cariz tropical. Einstein tem uma expressão que carateriza muito dessa explosão cultural que se deu já há vários séculos “uma mente que se abre a uma nova ideia jamais volta ao seu tamanho original”.

    Mas a mudança, apesar de  não ser recente, agora é mais óbvia. Com o surgimento massivo das novas tecnologias vieram-se pôr a descoberto as diferentes manifestações culturais através dos ecrãs do audiovisual, de referir a título de exemplo, a televisão se bem que rastreada  e o acesso ilimitado e sem controlo da Internet.

    Parece que o tempo dos segredos já lá vai…As diferenças sócio-culturais tornaram-se uma banalidade.

    Para dizer a verdade, logo em 1500 houve uma verdadeira revolução de costumes, nomeadamente, alimentar.

    A culinária brasileira é fruto de uma mistura de ingredientes europeus, indígenas e africanos. Muitos dos componentes e técnicas de preparação são de origem índigena. Tendo sofrido modificações por parte dos portugueses e dos escravos oriundos de África.

    Não só oriundos do Brasil mas de todo o continente americano surgem novos ingredientes indispensáveis nos dias de hoje na cozinha portuguesa como a batata, o cacau, feijão, girassol, milho, pimento e o tomate.

    A dieta medieval portuguesa era bastante limitada resumindo-se ao pão de trigo ou centeio, legumes variados, grão, couves e favas. Foi na época das “descobertas” que se deu uma explosão de sabores que depois se espalharam pelos quatro cantos do mundo. E veio também revolucionar a paleta  de paladares do povo português que passou a apreciar  a típica feijoada brasileira de feijão preto, os “acaranjés” da Bahia e o famoso doce “Quindim”[1] de cor amarelada e aspeto gelatinoso.

    Claro que Portugal não  ficou atrás no que toca à hospitalidade gastronómica e também marcou  a “boca” do povo brasileiro e enviou-lhes o bacalhau e o fundamental azeite português extraído das oliveiras.

    Portugal e o Brasil vão caminhando de mãos dadas há seis séculos embora com um oceano, irremediavelmente, a separa-los. Nas comemorações dos duzentos anos da independência do Brasil, Portugal fez-se representar pela mais alta figura do estado português, o presidente da República: Marcelo Rebelo de Sousa.

    Porém, apesar da típica imagem do Brasil de alegria, festa e praia divulgada pela agências de viagens. E, por outro lado, ser o maior país da América Latina e o quinto maior do mundo, reunindo todos os ingredientes para ser um país esplendoroso e nível de vida elevado grassam nele desigualdades sociais abismais onde a criminalidade e a corrupção é gritante. A classe média é um mito, onde só é possível viver na extrema riqueza (opulência) ou no fio da navalha das favelas brasileiras, onde se esconde um Brasil sem Lei dentro do Brasil dos postais turísticos.

    O que tem levado a uma verdadeira fuga de brasileiros para todo o mundo inclusivamente para o nosso país. Talvez uma fuga às políticas autoritárias e militaristas do presidente Jair Bolsonaro, talvez por razões sócio-económicos, dito de outro modo, para escapar à pobreza, ou até outras mais íntimas que não é possível destrinçar numa análise mais grosseira.

    Todavia, apesar de o mundo do cidadão comum brasileiro ser pouco “cor-de-rosa” ainda assim expressa alegria e não se resigna perante as adversidades.

    Onde há um brasileiro há uma “pontinha” de alegria. Existe uma “pontinha” de melancolia algo romântica que trespassa através do olhar. Uma “pontinha” de esperança.

Porque na vida como nas novelas estilo brasileiro depois de muitas peripécias tudo acaba em bem. Não existe, assim, só um final feliz, o dos protagonistas. Mas a multiplicidade de personagens que compõem o elenco, cada uma com as suas peculiaridades, acaba por encontrar o seu “happy end”.

    E afinal não é o todos queremos, descobrir o caminho para a  almejada felicidade.

 

              Ana Margarida Alves

Bibliografia:

 

  • pt.wikipedia.org/wiki/independencia_do_Brasil
  • pt.wikipedia.org/wiki/culinária_do_Brasil
  • receitas.globo.com/ep/mondial/quindim-o-docinho-brasileiro-com-um-pezinho-em-Portugal.ghtml
  • dicio.com.br/português-de-Portugal-e-a-diferenca-com-o-português-do-Brasil
  • cgalgarve.com/descobrimentos.html

 



[1] Esse doce assume-se totalmente brasileiro mas as suas origens remontam aos doces conventuais portugueses. As freiras usavam clara de ovo para engomar as suas roupas e aproveitavam as gemas para outros fins culinários, nomeadamente, a doçaria. Na receita original portuguesa o “quindim” era feito com amêndoas, mas, quando os portugueses quando chegaram ao Brasil perante a escassez de amêndoas tiveram que recorrer ao coco.